(Afuá - foto do site da prefeitura)
Nas vias e passarelas desta
cidade paraense, construída sobre palafitas em uma ilha da foz do rio Amazonas,
não entram motos, carros ou qualquer outro veículo motorizado – um exemplo de
mobilidade urbana sustentável.
Com 40 mil habitantes, a
cidade de Afuá proibiu o trânsito de qualquer veículo motorizado a partir de
2002.
Esta pequena cidade de 40
mil habitantes, localizada no Arquipélago de Marajó, estado do Pará, no norte
do Brasil, pode ser considerada por muitos como parada no tempo, mas, após uma
visita, fica claro que ela é um vislumbre de um futuro possível. Construída em
cima de palafitas de madeira devido às cheias do rio Amazonas, o código de
posturas do município proibiu, em 2002, o uso de qualquer veículo motor,
incluindo elétricos, em suas ruas. Lá, todos, sem exceção, têm a bicicleta como
meio de transporte.
(Afuá: foto de Manuel Raimundo Fonseca)
Se em Afuá não há carros, ou
motos, também não há leis de trânsito. Nenhuma mísera placa de pare.
Congestionamentos? Multas? Nem pensar. Dar voltas e voltas para estacionar,
medo de ser atropelado? Jamais. Outra ausência: mortes em acidentes de
trânsito. Quando estes acontecem, são leves, geram poucos ferimentos e costumam
ser causados por forasteiros tal como esta jornalista que pedalou para fazer
esta reportagem. A atenção e o respeito pelo espaço do outro são o código não
escrito da mobilidade.
Estranho é perceber que o
movimento nas ruas é tão intenso quanto silencioso. Um silêncio quebrado
somente pelo barulho do motor dos barcos que passam pelo rio e pela eclética
música das caixas de som do animado povo paraense – um movimento que obedece aos
horários de calor e às marés. Os afuaenses se movem conforme chegam e partem as
barcas para Macapá ou Belém – as capitais mais próximas –, pulsando entre a
lógica de conviver de maneira harmônica com a natureza, obedecendo sua
geografia e clima, e a eterna pressão para adotar um modo de vida urbano mais
'moderno', movido a motor.
Esta relação de harmonia com
a natureza é muito clara para a turismóloga da secretaria de Esporte e Lazer da
cidade, Andra Lúcia Chaves Ataíde, 39 anos. Nascida e criada em Afuá, Ataíde
enfatiza o quanto a bicicleta é o eixo central do cotidiano na cidade. “A
cidade inteira anda de bicicleta, a nossa vida é a bicicleta, nosso meio de
transporte é a bicicleta e vai ser pelo resto das nossas vidas”, diz ela.
“Nossa cidade é específica para este modelo de transporte sustentável.”
(Afuá - foto de
Aislan de Paula)
Pela geografia, em meios aos
canais e igarapés da floresta, a cidade recebeu o apelido de Veneza Marajoara,
e, pelo uso das bikes, Copenhagen da Amazônia, em referência à capital
dinamarquesa onde mais de 60% pedalam até a escola ou trabalho.
Claramente, não obedecer ao
calor da latitude 00’09” – cerca de 15 km ao sul da Linha do Equador – é
péssima ideia. O sol se torna extremamente forte logo no meio da manhã, e o
jeito é se esconder à sombra ou pedalar com uma mão no guidão e outra segurando
um guarda-chuva. Por isso, o dia começa cedo, ao som da rádio Afuá ecoando
pelos postes da cidade. A partir das 5h da manhã, Raimundo do Socorro Souza, 53
anos, mais conhecido como Sarito, apresenta o programa Acorda Afuá. “Para você
que está fazendo seu café, bom dia dona Maria, bom dia seu Benedito!”, narra em
uma das transmissões. “Venha para Afuá, cidade de mulher bonita e homem
trabalhador, e não esqueça de dar uma voltinha no bicitáxi.”
Homem de múltiplos talentos,
Sarito é marceneiro, pintor, dj, radialista, músico e inventor. Em 1995,
decidiu juntar duas bicicletas para dar um jeito de levar as crianças para
passear: surgia o bicitáxi. “Eu comecei a levar toda a família comigo, era uma
festa, e comecei a ganhar um dinheirinho levando outras pessoas.”
(Afuá - foto de Aislan de Paula)
As criações ganham cores com
grafites e luzes – todas elas exibidas em um desfile do Festival do Camarão,
realizado no mês de julho. A criatividade é infinita e muitos tem nomes, como o
Viúva Negra, um ‘carro’ com muita teia de aranha, cores e luzes coloridas.
Outros, como Adriano dos Santos, 36 anos, metalúrgico, vivem de montar os
bicitáxis por encomenda. “Eu sou autodidata, aprendi tudo vendo. Hoje crio
qualquer coisa com solda e faço o ‘carro’ conforme a vontade do cliente”,
conta. Ele mesmo tem suas criações estilizadas. “Eu gosto de dar nomes dos
Vingadores ou dos Transfomers. O [‘carro’] amarelo que tenho hoje é Bumblebee,
e a bicicleta, Venon”, explica.
“Eu sei que tudo isso é
minha culpa”, brinca Sarito. Após sair da rádio, passa na feira do peixe e toma
um café na praça, cumprimentando quase todo mundo. Os amigos escutam termos que
só muita intimidade permite. “Bom dia! Chuva de corno!”, diz, com um sorriso no
rosto. O movimento na cidade desaparece perto do meio-dia e só volta após às
16h. Os mais ativos deixam as bicicletas de lado para jogar futebol, volêi,
nadar no rio, fazer crossfit – há muitas academias em Afuá – ou até mesmo
realizar uma caminhada na pista do aeroporto, que, sem uso, vira pista de
corrida. Antes de descer, os aviões dão duas voltas em cima da cidade para
permitir que as pessoas saiam da área.
(Afuá - foto da internet sem indicação de autoria)
Afuá surgiu a partir da
doação de terras de uma antiga proprietária da região, Micaela Archanja
Ferreira, e se emancipou como município em 1890. De lá para cá, viveu a lógica
de desenvolvimento e colonização por ribeirinhos do norte brasileiro. Das etnias
indígenas da região, atualmente há poucos sinais além de sítios arqueológicos.
O Indíce de Desenvolvimento Humano da cidade é baixo (0,489 segundo o PNUD) e,
como a maioria das cidades no país, o tratamento de esgoto é inexistente. Há
pressão para construção de uma ferrovia ligando as ilhas vizinhas e um projeto
para desenhar ciclovias nas vias.
Em termos de mobilidade, se
considerarmos que o Brasil perde cerca de 40 mil pessoas por ano em acidentes
de trânsito – o equivalente à população de Afuá, onde o número é zero –, talvez
tenhamos muito o que aprender com esta cidade. Em termos de mudanças
climáticas, uma cidade construída sobre as águas e cuja mobilidade não emite
gases estufa pode ser uma pequena mostra de como vai ser o futuro. “Aqui, na
época das lançantes [cheia do rio Amazonas em março], é uma festa”, explica a
turismóloga Andra. “Aproveitamos para limpar a cidade, e todos saem para nadar,
brincar e andar de bicicleta dentro d’água.”
Fontes:
Autora: Gabi Di Bella
https://www.nationalgeographicbrasil.com/cultura/2021/09/afua-a-cidade-das-bicicletas-na-amazonia
Publicado 20 de set. de 2021, 18:09 BRT
Atualizado 22 de set. de 2021, 19:25 BRT
(Texto editado pelo blogger)
Site da Prefeitura de Afuá:
https://afua.pa.gov.br/o-municipio/turismo-e-lazer/
Maxblog:
https://blog.maxmilhas.com.br/dicas-de-viagem/afua-a-nossa-veneza-brasileira
G1:
Agência Pará:
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