sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

CIDADES: AFUÁ, A CIDADE DAS BICICLETAS NA AMAZÔNIA

 

(Afuá - foto do site da prefeitura)

Nas vias e passarelas desta cidade paraense, construída sobre palafitas em uma ilha da foz do rio Amazonas, não entram motos, carros ou qualquer outro veículo motorizado – um exemplo de mobilidade urbana sustentável.

Com 40 mil habitantes, a cidade de Afuá proibiu o trânsito de qualquer veículo motorizado a partir de 2002.

Esta pequena cidade de 40 mil habitantes, localizada no Arquipélago de Marajó, estado do Pará, no norte do Brasil, pode ser considerada por muitos como parada no tempo, mas, após uma visita, fica claro que ela é um vislumbre de um futuro possível. Construída em cima de palafitas de madeira devido às cheias do rio Amazonas, o código de posturas do município proibiu, em 2002, o uso de qualquer veículo motor, incluindo elétricos, em suas ruas. Lá, todos, sem exceção, têm a bicicleta como meio de transporte. 

(Afuá: foto de Manuel Raimundo Fonseca)

Se em Afuá não há carros, ou motos, também não há leis de trânsito. Nenhuma mísera placa de pare. Congestionamentos? Multas? Nem pensar. Dar voltas e voltas para estacionar, medo de ser atropelado? Jamais. Outra ausência: mortes em acidentes de trânsito. Quando estes acontecem, são leves, geram poucos ferimentos e costumam ser causados por forasteiros tal como esta jornalista que pedalou para fazer esta reportagem. A atenção e o respeito pelo espaço do outro são o código não escrito da mobilidade.

Estranho é perceber que o movimento nas ruas é tão intenso quanto silencioso. Um silêncio quebrado somente pelo barulho do motor dos barcos que passam pelo rio e pela eclética música das caixas de som do animado povo paraense – um movimento que obedece aos horários de calor e às marés. Os afuaenses se movem conforme chegam e partem as barcas para Macapá ou Belém – as capitais mais próximas –, pulsando entre a lógica de conviver de maneira harmônica com a natureza, obedecendo sua geografia e clima, e a eterna pressão para adotar um modo de vida urbano mais 'moderno', movido a motor.

Esta relação de harmonia com a natureza é muito clara para a turismóloga da secretaria de Esporte e Lazer da cidade, Andra Lúcia Chaves Ataíde, 39 anos. Nascida e criada em Afuá, Ataíde enfatiza o quanto a bicicleta é o eixo central do cotidiano na cidade. “A cidade inteira anda de bicicleta, a nossa vida é a bicicleta, nosso meio de transporte é a bicicleta e vai ser pelo resto das nossas vidas”, diz ela. “Nossa cidade é específica para este modelo de transporte sustentável.”

 Por ser uma cidade 100% sem carros, Afuá se tornou conhecida em diversos lugares do mundo e ganhou alguns apelidos – como Veneza Marajoara e Copenhagen da Amazônia, locais cuja mobilidade também prioriza vias aquáticas ou ciclovias – e virou referência para arquitetos, historiadores, fotógrafos e ciclistas. A fama rendeu a Ataíde alguns convites para falar em palestras e conferências. “Uma vez, antes de uma palestra em Belém, me perguntaram quantos quilômetros de ciclovia tinha a minha cidade. Eu falei que cerca de 24 mil metros. Não acreditaram, até que comecei a mostrar as fotos”, lembra.

(Afuá - foto de Aislan de Paula)

Pela geografia, em meios aos canais e igarapés da floresta, a cidade recebeu o apelido de Veneza Marajoara, e, pelo uso das bikes, Copenhagen da Amazônia, em referência à capital dinamarquesa onde mais de 60% pedalam até a escola ou trabalho.

Claramente, não obedecer ao calor da latitude 00’09” – cerca de 15 km ao sul da Linha do Equador – é péssima ideia. O sol se torna extremamente forte logo no meio da manhã, e o jeito é se esconder à sombra ou pedalar com uma mão no guidão e outra segurando um guarda-chuva. Por isso, o dia começa cedo, ao som da rádio Afuá ecoando pelos postes da cidade. A partir das 5h da manhã, Raimundo do Socorro Souza, 53 anos, mais conhecido como Sarito, apresenta o programa Acorda Afuá. “Para você que está fazendo seu café, bom dia dona Maria, bom dia seu Benedito!”, narra em uma das transmissões. “Venha para Afuá, cidade de mulher bonita e homem trabalhador, e não esqueça de dar uma voltinha no bicitáxi.”

 Apaixonado pela cidade, Sarito conta que até os anos 1980 a bicicleta era objeto de luxo entre os afuaenses. A popularização das magrelas começou nos anos 1990, acompanhadas de algumas motos. “Com o passar do tempo, a população cresceu e as motos foram aumentando, então as autoridades proibiram, porque as ruas de madeira não estavam aguentando”, conta o radialista. “Depois surgiram as passarelas de concreto armado, mas ainda assim é proibido qualquer veículo motorizado.”

Homem de múltiplos talentos, Sarito é marceneiro, pintor, dj, radialista, músico e inventor. Em 1995, decidiu juntar duas bicicletas para dar um jeito de levar as crianças para passear: surgia o bicitáxi. “Eu comecei a levar toda a família comigo, era uma festa, e comecei a ganhar um dinheirinho levando outras pessoas.”

 Hoje, a hora do rush de Afuá é formada por uma aglomeração de bicitáxis a espera dos passageiros da barca, que chega conforme o horário da maré alta. Muitos bicitaxistas investem em luzes de led e caixas de som alimentadas por baterias. O som preferido é funk e eletrônico paraense. A estilização dos ‘carros’, como são chamados, não tem limites. “Um bicitáxi hoje pode custar de R$ 4 a 8 mil, mas, com led e som automotivo, chega até a R$ 15 mil, o valor de um carro mesmo”, diz Sarito. Além dos veículos particulares, também tem a bicilância, usada pelos bombeiros, e os ‘carros’ de propaganda.

(Afuá - foto de Aislan de Paula)

As criações ganham cores com grafites e luzes – todas elas exibidas em um desfile do Festival do Camarão, realizado no mês de julho. A criatividade é infinita e muitos tem nomes, como o Viúva Negra, um ‘carro’ com muita teia de aranha, cores e luzes coloridas. Outros, como Adriano dos Santos, 36 anos, metalúrgico, vivem de montar os bicitáxis por encomenda. “Eu sou autodidata, aprendi tudo vendo. Hoje crio qualquer coisa com solda e faço o ‘carro’ conforme a vontade do cliente”, conta. Ele mesmo tem suas criações estilizadas. “Eu gosto de dar nomes dos Vingadores ou dos Transfomers. O [‘carro’] amarelo que tenho hoje é Bumblebee, e a bicicleta, Venon”, explica.

“Eu sei que tudo isso é minha culpa”, brinca Sarito. Após sair da rádio, passa na feira do peixe e toma um café na praça, cumprimentando quase todo mundo. Os amigos escutam termos que só muita intimidade permite. “Bom dia! Chuva de corno!”, diz, com um sorriso no rosto. O movimento na cidade desaparece perto do meio-dia e só volta após às 16h. Os mais ativos deixam as bicicletas de lado para jogar futebol, volêi, nadar no rio, fazer crossfit – há muitas academias em Afuá – ou até mesmo realizar uma caminhada na pista do aeroporto, que, sem uso, vira pista de corrida. Antes de descer, os aviões dão duas voltas em cima da cidade para permitir que as pessoas saiam da área.

(Afuá - foto da internet sem indicação de autoria)

Afuá surgiu a partir da doação de terras de uma antiga proprietária da região, Micaela Archanja Ferreira, e se emancipou como município em 1890. De lá para cá, viveu a lógica de desenvolvimento e colonização por ribeirinhos do norte brasileiro. Das etnias indígenas da região, atualmente há poucos sinais além de sítios arqueológicos. O Indíce de Desenvolvimento Humano da cidade é baixo (0,489 segundo o PNUD) e, como a maioria das cidades no país, o tratamento de esgoto é inexistente. Há pressão para construção de uma ferrovia ligando as ilhas vizinhas e um projeto para desenhar ciclovias nas vias.

Em termos de mobilidade, se considerarmos que o Brasil perde cerca de 40 mil pessoas por ano em acidentes de trânsito – o equivalente à população de Afuá, onde o número é zero –, talvez tenhamos muito o que aprender com esta cidade. Em termos de mudanças climáticas, uma cidade construída sobre as águas e cuja mobilidade não emite gases estufa pode ser uma pequena mostra de como vai ser o futuro. “Aqui, na época das lançantes [cheia do rio Amazonas em março], é uma festa”, explica a turismóloga Andra. “Aproveitamos para limpar a cidade, e todos saem para nadar, brincar e andar de bicicleta dentro d’água.”

 

Fontes:

Autora: Gabi Di Bella

https://www.nationalgeographicbrasil.com/cultura/2021/09/afua-a-cidade-das-bicicletas-na-amazonia

Publicado 20 de set. de 2021, 18:09 BRT

Atualizado 22 de set. de 2021, 19:25 BRT

(Texto editado pelo blogger)

Site da Prefeitura de Afuá:

https://afua.pa.gov.br/o-municipio/turismo-e-lazer/

Maxblog:

https://blog.maxmilhas.com.br/dicas-de-viagem/afua-a-nossa-veneza-brasileira

G1:

https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2023/08/13/bicitaxi-e-bicilancia-conheca-afua-veneza-marajoara-onde-so-se-anda-a-pe-ou-com-bicicletas-fotos.ghtml

Agência Pará:

https://agenciapara.com.br/noticia/14002/municipio-de-afua-recebera-investimentos-nesta-sexta-feira-26

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