"Eu me lembro até da cara do Samuel Wainer quando disse que estava pensando em entrevistar Julinho da Adelaide para o jornal dele. Ia ser um furo. Julinho da Adelaide, até então, não havia dado entrevistas. Poucas pessoas tinham acesso a ele. Nenhuma foto. Pouco se sabia de Adelaide. Setembro de 74. A coisa tava preta.
- Ele topa?
- Quem, o Julinho?
- Não, o Chico.
Chico já havia topado e marcado para aquela noite na casa dos pais dele, na rua Buri. Demorou muitos uísques e alguns tapas para começar. |
Quando eu achava que estava tudo pronto Chico disse que ia dar uma deitadinha. Subiu. Voltou uma hora depois. Lá em cima, na cama de solteiro que tinha sido dele, criou o que restava do personagem.
Quando desceu, não era mais o Chico. Era o Julinho. A mãe dele não era mais Dona Maria Amélia que balançava o gelo no copo de uísque. Adelaide era mais de balançar os quadris.
Julinho, ao contrário de Chico, não era tímido. Mas, como o criador, a criatura também bebia e fumava. Falava pelos cotovelos. Era metido a entender de tudo. Falou até de meningite nessa única entrevista a um jornalista brasileiro.
Sim, diz a lenda que Julinho, depois, já no ostracismo, teria dado um depoimento ao brasilianista da Universidade de Berkeley, Matthew Shirts. Mas ninguém teve acesso a esse material. Há também boatos que a Rádio Club de Uchôa, interior de São Paulo, teria uma gravação inédita. Adelaide, pouco antes de morrer, ainda criando palavras cruzadas para o “Jornal do Brasil”, afirmava que o único depoimento gravado do filho havia sido este, em setembro de 1974, na rua Buri, para o jornal 'Última Hora'.”
No recorte reproduzido acima da reportagem "Julinho da Adelaide, 24 anos depois", o jornalista e escritor Mário Prata fala dos bastidores de "O Samba Duplex e Pragmático de Julinho da Adelaide", a histórica entrevista por ele publicada com o recém-descoberto compositor carioca; na verdade, um heterônimo de Chico Buarque, que então usava esse recurso para driblar a mordaça da censura.
Da cepa rara de Julinho, saíram três composições memoráveis, "Acorda, Amor", "Milagre Brasileiro" e "Jorge Maravilha". Com atraso, com afeto e ainda em tempo: na última quarta-feira, mais conhecida como ontem (19), Chico Buarque completou 80 giros em torno do Sol. Viva!!!
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