sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

MEDICINA: NARCOLEPSIA

 Narcolepsia é um distúrbio do sono causado por uma alteração no equilíbrio existente entre algumas substâncias químicas do cérebro. O tratamento inclui administração de medicamentos e a adoção de alguns hábitos.



Narcolepsia é um distúrbio do sono caracterizado por sonolência excessiva durante o dia, mesmo quando a pessoa dormiu bem à noite. Os ataques de sono podem ocorrer a qualquer momento e em situações inusitadas: em pé dentro de um ônibus, durante a consulta médica, dirigindo o automóvel, ou operando máquinas, por exemplo.

O sono normal começa com o desligamento do controle muscular. Nessa fase, é um sono de ondas lentas. Cerca de hora e meia depois, a pessoa entra na fase do sono REM, na qual a atividade do cérebro é intensa e os olhos se movimentam. Os portadores de narcolepsia saltam a etapa do sono de ondas lentas e entram direto, subitamente, na de sono REM.

Causas



Fatores genéticos estão envolvidos na narcolepsia, que é causada por alteração no equilíbrio existente entre algumas substâncias químicas (neurotransmissores) do cérebro, responsáveis pelo aparecimento do sono REM em horas inadequadas.

Em geral, o distúrbio está associado a um alelo ligado ao complexo maior de histocompatibilidade, ou seja, a uma proteína relacionada com a sonolência excessiva durante o dia. Em cães, o gene responsável pela narcolepsia já foi isolado.

A cataplexia, isto é, a perda súbita e reversível da força muscular durante a vigília, é o único sintoma exclusivo da narcolepsia. Os outros são: sonolência diurna excessiva, anormalidades do sono REM, paralisia muscular e alucinações hipnagógicas.

Diagnóstico

A polissonografia e o teste de latências múltiplas são dois exames de laboratório importantes que ajudam a estabelecer o diagnóstico da narcolepsia, que é diferencial, porque considera as características de outros distúrbios do sono, como a apneia e a insônia, por exemplo.

Tratamento

A pessoa com narcolepsia pode apresentar vários episódios de sono irresistível durante o dia. Se tiver a oportunidade de tirar um cochilo quando isso acontecer, provavelmente acordará mais disposta, porque esses cochilos costumam ser reparadores.

Os tratamentos da sonolência excessiva e da cataplexia são diferentes, mas os remédios indicados para um caso podem melhorar também o outro.

Uma substância nova chamada motofanil, além da vantagem de não provocar efeitos colaterais importantes sobre o sistema cardiovascular, tem-se mostrado eficaz para deixar a pessoa mais alerta. Já os antidepressivos agem melhor sobre a cataplexia. Às vezes, a solução terapêutica é combinar doses menores das duas classes de medicamentos (estimulantes e antidepressivos).

Recomendações


Procure organizar sua agenda para tirar um breve cochilo, que é sempre reparador, nas crises súbitas de sono que ocorrem nos casos de narcolepsia;

Esteja atento: a fraqueza muscular (cataplexia) pode ser desencadeada, quando a pessoa leva um susto ou acha graça em alguma coisa e dá risada;

Lembre-se de que tratar a narcolepsia é importante para afastar o rótulo de preguiçoso e dorminhoco que incomoda tanto os portadores do distúrbio;

Saiba que a narcolepsia não é uma doença grave, mas pode pôr em risco a vida das pessoas que dirigem carros ou operam máquinas;

Evite ingerir bebidas alcoólicas ou outras substâncias que induzem o sono, pois só ajudam a piorar o quadro.


Fonte:

Autora: Maria Helena Varella Bruna

Publicado em 28/04/2011

Revisado em 16/01/2024


Maria Helena Varella Bruna é redatora e revisora, trabalha desde o início do Site Drauzio Varella, ainda nos anos 1990. Escreve sobre doenças e sintomas, além de atualizar os conteúdos do Portal conforme as constantes novidades do universo de ciência e saúde.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTA FRASE DE KARL POPPER


 

       “Todos aqueles cujo propósito era trazer o paraíso na terra só criaram um inferno”. 

Popper, apud Domenico Losurdo, in A não violência: uma história fora do mito.

sábado, 22 de fevereiro de 2025

ARTES PLÁSTICAS: COMO SURGIU A ARTE NAÏF

 A HISTÓRIA DA ARTE NAIF

(Henri Rousseau - Myself Portrait Landscape, 1890)

Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural (2020), a história da Arte naif está ligada às pinturas de Henri Rousseau, exibidas no Salon des Indépendents (Salão dos Independentes), realizado em 1886, em Paris. A palavra naif vem da língua francesa e significa ingênuo, sendo a expressão usada para designar a arte do pintor. Apesar de no início Rousseau ter sido muito criticado, ele acabou se tornando uma grande influência para pintores das vanguardas da época (FINKELSTEIN, 2001). Henri Rousseau foi o nome de maior destaque na arte naif, mas ele não foi o único representante. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural (2020), a arte naif não foi algo isolado e que ocorreu apenas na França, pelo contrário, muitos outros artistas surgiram em todo mundo, como Alfred Wallis (Inglaterra) e Anna Mary Robertson (Estados Unidos). Não tendo características estéticas típicas, o que torna uma arte naif é o artista, já que é uma arte individual e cada artista tem um estilo único e genuíno. Muitos artistas naifs são autodidatas, mas existem artistas naifs que possuem formação artística (FINKELSTEIN, 2001). Segundo D’Ambrosio (2013), o artista naif não segue modismos, mas desenvolve um estilo pessoal e não uma imitação. Existem museus especializados em arte naif por todo planeta, como na Alemanha, Bélgica, Canadá, Croácia, França, Portugal e Rússia. No Brasil, destaca-se o Museu do Sol em Penápolis/SP, o Museu de Arte Naif de Guarabira/PB e o Museu Internacional de Arte Naif do Brasil (MIAN), no Rio de Janeiro/RJ, fundado pelo francês radicado Lucien Finkelstein (1931-2008). Além dos museus, existem também galerias especializadas, a exemplo da Galeria de Jacques Ardies, em São Paulo/SP. A arte naif também conta com grandes eventos, como o Art Naif Festiwal (Festival de Arte Naif) que ocorre na Polônia anualmente, com a participação de artistas de vários países.


A ARTE NAIF NO BRASIL

(Chico da Silva -  dragão)

No início do século XX existiram muitas vanguardas artísticas, e cada vanguarda tinha características estéticas específicas, como o cubismo, por exemplo. No caso da arte naif é diferente porque não é algo planejado por um grupo de artistas ou intelectuais, não guarda, portanto, características estéticas comuns ou específicas (FINKELSTEIN, 2001). No Brasil, um dos artistas da arte naif de maior destaque internacional foi o acreano Chico da Silva (1910–1985). Ele chegou a receber uma menção honrosa na 33ª Bienal de Veneza, na Itália, em 1966. Outro grande destaque foi o carioca Heitor dos Prazeres (1898–1966) que participou da primeira Bienal Internacional de São Paulo, onde venceu um dos prêmios (ARDIES, 1998). A mais tradicional e importante exposição de arte naif brasileira é a Bienal Naifs do Brasil, realizada pelo Serviço Social do Comércio – SESC de Piracicaba, selecionando os participantes por meio de edital, sendo a seleção mais disputada do Brasil. A demanda é grande por eventos de arte naif, o que impulsionou a criação de mais eventos recentemente, como: a Bienal Internacional de Arte Naif Totem Cor-Ação – BINAIF de Socorro/SP; a Mostra Nacional de Arte Naif no Estado de São Paulo; o Festival Internacional de Arte Naif – FIAN de Guarabira/PB; a Mostra Naif Pequenos Formatos de Paraty/RJ; a Exposição Nacional de Artistas Naifs do Centro-Oeste – ENANCO de Goiânia/GO; e a Mostra Internacional da Arte Naif “Universo da Alma Ingênua” de Santa Teresa/ES. Portanto, no Brasil a arte naif está em expansão, a cada ano cresce o número de artistas e a demanda faz surgir mais ofertas de eventos, além do interesse de colecionadores e de galerias.

 (Nilson Pimenta - Nordeste)


Fonte:

Autora: Hebe Souza de Oliveira

Doutoranda em História na Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Mestra em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA); Especialista em Ensino de Arte e História pela Faculdade Cidade Verde; Especialista em Administração, Finanças Empresariais e Negócios pela Escola Superior Aberta do Brasil (ESAB); graduada em Licenciatura em Artes Visuais pela UFAM; 2ª Licenciatura em História pela Faculdades Integradas de Ariquemes (FIAR); Bacharel em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA).

09/07/2020

In: Arte e Meio Ambiente: Os recursos hídricos brasileiros pela perspectiva NAIF




quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTA FRASE DE LIMA BARRETO:

 


       “O Brasil não tem povo, apenas público. Povo luta por seus direitos, público só assiste de camarote.” 

Lima Barreto, “Não queria, mas…”

crônica publicada na revista “Careta” em 3 de junho de 1922.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

AILUROFILIA - PAIXÃO POR GATOS: O GATO DO DESERTO




CONHEÇA O GATO-DO-DESERTO, O ZORRO DOS FELINOS

O gato-do-deserto (Felis margarita) é um pequeno felino que vive nos desertos quentes do Norte de África e da Ásia, onde cava buracos como uma toupeira e mata cobras venenosas sem hesitar. 

Um pouco de história

Embora o nome comum para este gatinho do deserto seja “gato-do-deserto”, na comunidade científica este feroz fofinho é conhecido como Felis margarita, embora o nome não tenha nada a ver com o cocktail mexicano ou a pizza italiana.

De facto, o naturalista Victor Loche, a primeira pessoa a descrever cientificamente o gato-do-deserto, decidiu dar o nome do animal em homenagem a Jean Auguste Margueritte, o general francês responsável pela expedição que levou à descoberta da espécie em 1858.




Geografia

Como o seu nome sugere, o gato-do-deserto habita paisagens arenosas e pedregosas. A espécie está amplamente distribuída nos desertos do Norte de África, na Península Arábica e no sudoeste e centro da Ásia. O gato-do-deserto vive geralmente em zonas planas ou montanhosas com alguma vegetação. Esta vegetação do deserto é necessária para evitar que as dunas se desloquem com o vento.



(Área geográfica do gato-do-deserto, aprox.)

Aspeto físico

Este pequeno felino, que mede apenas 39-52 cm, tem uma pelagem espessa, de cor cinzenta clara a arenosa, que serve de camuflagem e o protege das temperaturas do deserto. O gato-do-deserto tem um aspeto incrivelmente adorável devido à sua cabeça larga com orelhas baixas, grandes olhos amarelo-esverdeados, uma linha avermelhada que vai da ponta dos olhos até às bochechas e um focinho preto.

A sua cauda relativamente longa (23-31 cm) apresenta uma ponta preta e dois ou três anéis escuros, que também aparecem nas suas patas curtas. A parte inferior do corpo do gato-do-deserto é mais clara do que o resto do corpo e as marcas podem variar entre manchas e riscas.



Caça e alimentação

Devido às altas temperaturas do deserto, o gato-do-deserto descansa frequentemente durante o dia e caça à noite, percorrendo uma média de 5,4 km por noite. Como muitos outros felinos, estes ferozes caçadores são carnívoros e alimentam-se de forma oportunista.

Gosta de roedores, aves, répteis e insectos, que pode enterrar na areia para comer mais tarde. Mas e a água para beber? Não precisa dela. Os gatos-do-deserto obtêm água suficiente das suas presas para sobreviver.

Estilo de vida

Os gatos-do-deserto podem não ser os melhores saltadores ou trepadores, mas são de certeza excelentes escavadores! Utilizam as suas garras não retrácteis para escavar à procura de presas e para construir ou ajustar as tocas onde passam o dia para evitar temperaturas elevadas.

Embora estes gatinhos levem uma vida solitária, podem comunicar com os outros, borrifando urina e usando marcas de cheiro ou arranhões, durante a época de acasalamento. Sabia que os gatos-do-deserto também podem produzir latidos altos e agudos? Para além desta particularidade, o seu som é geralmente semelhante ao de um gato doméstico.



Conservação e ameaças

Anteriormente listado como “Quase Ameaçado”, o gato-do-deserto foi classificado como Pouco Preocupante na Lista Vermelha da IUCN, devido à sua ampla distribuição e grande população. Dito isto, a espécie ainda enfrenta várias ameaças, como a destruição do habitat pelos humanos e o declínio das populações de presas devido à seca e à desertificação.

Além disso, os gatos-da-areia continuam a ser caçados em certas regiões e correm o risco de contrair doenças de gatos e cães selvagens que vagueiam pelo deserto.

Sabia que…

… os gatos-do-deserto são os únicos gatos que vivem exclusivamente nos desertos? Outras espécies de gatos podem passar por lá, mas nunca ficar…
… por vezes, os gatos-do-deserto fecham os olhos quando os humanos se aproximam à noite, para que os seus olhos não reflictam, tornando-os ainda mais difíceis de detetar no ambiente arenoso?
… as temperaturas nos desertos habitados pelo gato-do-deserto podem ultrapassar os 40°C?
… os gatos-do-deserto andam de uma forma muito engraçada, com a barriga virada para o chão? No entanto, estes felinos selvagens podem correr a uma velocidade de 30 a 40 quilómetros por hora!
… os gatos-do-deserto têm pêlos nas solas das patas para evitar que as suas almofadas se queimem? É também por esta razão que os gatos-do-deserto não se afundam na areia e nem sequer deixam pegadas.
… os nómadas Toubou que vivem a noroeste do lago Chade não caçam gatos-do-deserto porque acreditam que estes gatos foram os companheiros do profeta Maomé e da sua filha?
… os gatos-do-deserto partilham a sua toca com outros animais? Embora não ao mesmo tempo.

Fonte:


Jul. 16, 2024

 


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTE TEXTO DE DIEGO MARANI:



“Às vezes o pensamento humano se perde nos meandros da sua lógica, presa de uma geometria que é um fim em si e já não tem por alvo a compreensão da realidade, mas alimentar uma presunção. Somos tão monstruosamente egoístas que, para nunca reconhecermos nossos erros, preferimos nos aniquilar perseguindo nossas falsas verdades. Contra essa deriva da mente, muitos homens se refugiam na fé num ser supremo que possui a chave de todos os mistérios e o antídoto para todas as dores. Em troca de humildade, Deus nos promete conhecimento e à nossa dolorosa multiplicidade opõe sua reconciliadora unidade. Mas se Deus existisse, teria nos feito diferentes, completamente prisioneiros da matéria de que vimos, ou completamente livres da escravidão da mente, seus iguais ou seus escravos. Não teria abandonado suas criaturas nesta condição intermediária entre danação e beatitude, obrigadas a buscar a perfeição divina com os instrumentos imperfeitos do conhecimento humano. Se Deus precisa da nossa imperfeição e dos nossos limites, ele vale tanto quanto nós. Não é Deus mas demônio, e da sua maldade fundadora provêm todas as coisas. É verdade que nestes tempos de hoje é mais fácil crer no demônio do que em Deus. Eu, que pelos olhos dos soldados que vi morrer pude olhar no além, só vi a mais densa escuridão. E então, em vez de me imaginar submisso a um espírito do mal, prefiro pensar que o universo não é animado por uma vontade onipotente, mas pelo jogo casual da química. As mil substâncias que o compõem se chocam e se misturam toda vez que se encontram, e suas reações podem ser desmedidas como uma explosão estelar ou minúsculas como uma eletrólise, impressionantes como a fissão do átomo ou sublimes como a floração das cerejeiras. Quando tudo estiver misturado, quando toda oxirredução estiver consumada, quando a matéria for feita de núcleos pequenos como grãos de areia mas pesados como este planeta e todo elétron estiver encerrado em órbitas incindíveis, então haverá paz no universo.” 

A morte e a paz. Diego Marani in “A nova gramática finlandesa”. Título original: Nuova Grammatica Finlandese; Tradutor: Eduardo Brandão

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

SERIAL KILLER: GILLES DE RAIS

 QUEM FOI O PRIMEIRO SERIAL KILLER E PEDÓFILO 

REGISTRADO NA HISTÓRIA?


Gilles de Laval (1404-1440), Barão de Rais, 
como imaginado pelo ilustrador do 'Le Livre Rouge' 
(O Livro Vermelho), de Dupray de La Maherie


Já ouviu falar do conto Barba Azul, em que uma jovem descobre que seu marido esconde cadáveres de suas esposas anteriores em um armário?

Em uma região no nordeste da França, essa história está vinculada à de um assassino conhecido como Gilles de Rais, que viveu ali no século 15, 200 anos antes que Charles Perrault escrevesse a história de Barba Azul – que já fazia parte da tradição oral da região.

Mas a história real e o conto têm notáveis diferenças. Uma é o final feliz do conto de Perrault: a jovem consegue escapar das garras do marido tirano. Outra é que os crimes do nobre assassino do século XV eram ainda mais aterrorizantes que os do conto.

Tanto que os "crimes de Nero e dos tiranos da Lombardia" não são nada em comparação, afirma o historiador Jules Michelet (1798-1874) no livro História da França.

"Seria necessário incluir os sacrifícios dos deuses que devoram as crianças" para se comparar aos crimes cometidos pelo Barba Azul da vida real, diz Michelet.

De herói a vilão

Gilles de Laval nasceu em berço de ouro em 1404, em uma família da Bretanha, que hoje é uma região da França. Ficou órfão aos 11 anos, quando passou a ser criado por um avô violento.

Após a morte do avô, se tornou barão de Rais e ficou conhecido como Gilles de Rais. Herdou imensas fortunas, que o tornaram mais rico que o rei Carlos 7.


Hoje conhecida como Castelo do Barba Azul, 
a residência de Gilles em Tiffauges foi construída no século 15

Na época, a França estava em guerra com a Inglaterra, a famosa Guerra dos Cem Anos, e estava prestes a reconquistar a cidade de Orleans.

O exército francês era liderado pela jovem Joana d'Arc, que conquistou essa e muitas outras vitórias para os franceses.

Gilles de Rais cavalgou ao lado de Joana na guerra e se tornou seu braço direito no campo de batalha. Aos 25, Gilles foi nomeado Marechal da França, antigo título dado ao mais alto comandante das Forças Armadas reais.

Viu de perto a traição contra Joana cometida por militares e pelo rei, que a entregaram aos ingleses. Ela foi julgada pela Inquisição e acusada de heresia, condenada à morte e queimada na fogueira em 1431.


Gilles de Rais batalhou ao lado de Joana D'Arc, 
retratada nesta pintura de Hermann Anton Stilke (1803-1860)

Enquanto ela hoje é recordada como heroína e chegou a ser canonizada pela Igreja Católica, Gilles acabou se tornando um símbolo de vilania e a personificação do mal na França.

Jovem e imensamente rico, após a morte de Joana d'Arc ele largou as armas. Segundo livros de história, se entregou a uma vida de excessos, orgias e a uma obsessão com o sexo e a morte.

Gastou boa parte de sua fortuna com a construção da Capela dos Santos Inocentes e com a produção de um espetáculo de teatro grandioso chamado O Mistério do Cerco de Orleans, em que recontava a batalha da qual havia participado com Joana d'Arc. A peça tinha 140 atores e 500 figurantes, e 600 peças de figurino foram feitas para cada uma das apresentações.

A capela contava com um corpo eclesiástico de 80 pessoas, que incluía um coro particular.

Sem dinheiro, começou a se interessar por alquimia – que se acreditava na época ser um ciência capaz de transformar metais diversos em ouro. Depois, começou a vender suas propriedades para bancar seu estilo de vida extravagante, o que gerou revolta em sua família.

Com medo de ficar sem herança, membros da família apresentaram suas preocupações ao rei, que impediu Gilles de vender qualquer outro bem.



Assinaturas de tabeliões no documento com as acusações 
contra Gilles de Rais, no arquivo de Loire-Atlantique

E foi então também que outros nobres, como o duque da Bretanha, viram a oportunidade de tirar dele o que pudessem.

Seus crimes – que possivelmente eram conhecidos pela aristocracia há anos – começaram a ser investigados e julgados.

Em setembro de 1440, Gilles de Rais foi acusado de assassinato, bruxaria e sodomia. Foi julgado por um tribunal eclesiástico e civil – e condenado à morte na forca.

Atrocidades

No julgamento, a descrições de seus atos continham detalhes terríveis.

De acordo com testemunhas ouvidas no tribunal, cada vez que o barão de Rais visitava alguma de suas propriedades, crianças da região desapareciam.

Foi dito que Gilles de Rais empregava uma mulher que persuadia crianças a entrar no castelo.


O conto de Barba Azul foi inspirado na história de Gilles de Rais

O que se passava por trás das portas aparece no registro do julgamento, em uma confissão de um de seus servos:

"Às vezes ele cortava as cabeças, às vezes somente a garganta, e em outras ocasiões ele quebrava o pescoço com golpes. Depois que as veias eram cortadas, de modo que elas definhavam enquanto seu sangue era derramado, Gilles às vezes se sentava na barriga das crianças e sentia prazer. Inclinando-se sobre elas, as via morrer."

Outros textos relatam que ele mantinha relações sexuais com os cadáveres das crianças enquanto ainda estavam quentes.

Os serventes também o acusavam de fazer coisas "com o diabo".

As confissões dos servos, no entanto, foram feitas sob a bárbara tortura medieval.

Gilles também foi levado à câmara de tortura e amarrado, mas acabou confessando antes de chegar a ser de fato torturado.


Julgamento de Gilles de Rais, com o bispo Jean de Malestroit, 
em 1440, na França

Nos documentos sobre o julgamento, está escrito:

"Gilles de Rais falou aberta e voluntariamente a todos os presentes e confessou que devido ao ardor e prazer ao satisfazer seus desejos carnais, havia matado um grande número de crianças. Às vezes, as havia submetido vários tipos de tortura."

"Cometeu vícios sodomíticos com elas quando estavam agonizando e sentia prazer beijando crianças que estavam mortos e julgando qual delas tinha a cabeça mais bonita. Depois, fazia que seus empregados levassem os corpos e os queimassem até que virassem cinzas."

Os documentos têm descrições ainda mais repugnantes e macabras do que essas.

Calcula-se que ele matou entre 80 e 200 crianças, de seis a 18 anos – a maioria, meninos.

Gilles de Rais pediu que sua confissão fosse publicada em francês, para que o povo pudesse entender, em vez do latim que normalmente era usado nas cortes.

Execução de Gilles de Rais, em 1440

A Igreja o havia ameaçado com excomunhão e condenação à eternidade no inferno, a menos que confessasse.

O veredito final foi a condenação à morte na forca e posterior queima de seu corpo na fogueira.

Dúvidas

Apesar de a condenação ter sido feita com base em inúmeras declarações de testemunhas, há quem duvide do julgamento e considere o barão uma vítima injusta da Inquisição. É o caso dos biógrafos Fernand Fleuret e Jean-Pierre Bayard e do escritor da década de 1920 Salomon Reinach, entre outros.

Eles apontam que a confissão dos empregados do barão foi obtida sob tortura, e a de Gilles, sob ameaça.

Em 1992, foi criado um tribunal – não oficial – que se reuniu no salão dourado do palácio de Luxemburgo, em Paris, para reavaliar o julgamento de Gilles de Rais.

Foi argumentado que Gilles poderia ser uma vítima da Inquisição e não ter matado nenhuma criança.

Gilbert Prouteau, autor de uma biografia de Gilles de Rais e organizador do evento, argumentou que o barão foi executado porque o bispo Malestroit e seu aliado Jean V, duque da Bretanha, cobiçavam suas propriedades.



Gilbert Prouteau, autor de uma biografia de Gilles de Rais, 
em 1992, em frente a uma placa do Castelo do Barba Azul

Após a execução de Gilles, o duque da Bretanha recebeu todos os títulos e terras de Rais.

Para o ex-ministro da Justiça francês Michael Crepeau, a verdadeira motivação do julgamento de Gilles era política, como havia acontecido com Joana d'Arc.

A maioria dos historiadores, no entanto, concorda que é muito mais provável que de fato o barão fosse um criminoso.

As duas teses são plausíveis: é possível que seus crimes, cometidos contra filhos de camponeses, tenham sido ignorados pela nobreza até que tenha se tornado conveniente politicamente processá-lo e condená-lo. Ou até que tenham se tornado horríveis demais para serem ignorados.


A assinatura de Gilles de Rais em sua confissão


Fonte:

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

“EIRA, BEIRA E TRIBEIRA”: A MENTIRA EM QUE TODO MUNDO ACREDITA

 


EIRA, BEIRA E TRIBEIRA: 

O MITO DA DIVISÃO SOCIAL PELO TELHADO



Quem não tem eira e nem beira é o tipo que não tem onde cair morto. Essa expressão é bem antiga. Tem origens em Portugal, na Idade Média. Ao contrário do que costumamos ouvir, ver vídeos e ler em artigos afirmando que essa expressão “nem eira e nem beira”, e tem gente que acrescenta até “tribeira”, era a forma de divisão social entre pobres e ricos.


Na expressão original, Medieval, nunca foi esse o significado de “nem eira e nem beira”. Aliás, essa expressão de divisão social entre pobres e ricos se limitar a simples adornos em telhados é invenção brasileira, difundida por Guias de Turismo pelo Brasil afora. (Na foto acima de Nacip Gomêz, detalhes no telhado de uma construção colonial em Lavras Novas, distrito de Ouro Preto MG)


Quem for para nossas cidades históricas e fazendas centenárias, se atente aos suntuosos palacetes, sobrados e casarões, com suas portas e janelas enormes, bem pintados, cômodos espaçosos e todos mobiliados com moveis entalhados artisticamente em madeiras nobres e até importadas da Europa. Isso porque seus proprietários tinham dinheiro, fazendas de gado e culturas diversas, minas de ouro e outras propriedades. Por isso tinham condições de construírem casarões, sobrados, palacetes e casas grandes de fazendas. (na fotografia acima do César Reis, uma rua da cidade histórica de Tiradentes com seu belo casario colonial com as ditas eira, beira e até tribeira)



Agora, compare as construções dos ricaços medievais e coloniais, com as moradias dos colonos, trabalhadores e escravizados, ou seja, dos pobres em geral que trabalhavam para esses ricaços. Obviamente, não serão simples adornos nos telhados que dirá quem é pobre e quem rico. (na foto acima de@arnaldosilva_oficial, uma rua em São Bartolomeu, distrito colonial de Ouro Preto. Percebe-se a simplicidade das construções, suas portas e janelas, mas as casas tem as ditas eira, beira e tribeira no telhado)

Ostentação visível

A ostentação dos ricaços do Brasil Colonial e Imperial eram visíveis, como, por exemplo, na quantidade de portas, janelas e cômodos dos casarões e sobrados. Quanto mais portas e principalmente, quanto mais janelas tinha um casarão, mais rico e poderoso era seu proprietário. Isso é fato. Compare as portas e janelas dos casarões coloniais com as casas simples do povo, do Brasil Colônia e Imperial.



São construções suntuosas, imponentes e luxuosas com dezenas de portas e janelas, com nítida demonstração de riqueza, ostentação e poder para a época. Alguns tinham centenas de janelas como o casarão da Fazenda Santa Clara em Santa Rita de Jacutinga MG (na foto acima do Rildo Silveira).

Essa imponente construção possui 365 janelas, uma para cada dia do ano, 54 quartos, 12 salões e 3 cozinhas, além de capela, torre com mirante, senzala e masmorra. Todos os cômodos mobiliados com os mais requintados e artisticamente bem entalhados móveis da época.

O que é eira e beira

Para entendermos melhor essa expressão, temos que entender o que era uma eira e uma beira. A expressão sem eira e nem beira tem origem em Portugal, se popularizando no Brasil com a chegada em massa de portugueses.


Em Portugal, uma eira é uma parte do terreno de uma propriedade rural nas aldeias portuguesas, geralmente em frente a Casa Grande, em terra batida, lajeada ou cimentada. Na eira, cereais e grãos eram esparramados no chão, limpados, secados, por fim, armazenados e vendidos para consumo. Em outras palavras, é o mesmo que um terreiro, onde costumeiramente são secados grãos de café, arroz, feijão, etc. (na imagem acima do Sérgio Mourão/@encantosdeminas, temos uma eira ou seja, um terreiro de uma beira, para secagem de grãos, no caso, café)

Para se ter uma eira, obviamente tem que ter uma beira. Em Portugal, uma beira era a divisão territorial desde a Idade Média até o século XVIII. As divisões em eiras foram substituídas posteriormente por comarcas e províncias. O país era dividido em seis beiras (Beira alta, Beira Baixa, Beira Litoral, Beira Interior e Beira Transmontana). Seria o equivalente a seis estados, hoje.

Com a mudança para comarcas e províncias, beira continuou a existir, mas para definir extensões territoriais de cidades e aldeias portuguesas. No popular, eira passou a ser usada para definir os grandes donos de terras das cidades e aldeias portuguesas. Ou seja, quem possuía terras, com casa, bens e empregados, tinha uma beira. Era o que chamamos hoje de grande produtor rural.



Além disso, beira passou a ser o nome de uma extensão do telhado das casas que servia para proteger a casa da chuva, evitando infiltrações. Pelo menos essa beira, tanto pobre, quanto rico podia ter em suas moradas, já que são simples extensões de um telhado. As novas construções de hoje têm as beiras de fundo e laterais com calhas e a beira frontal, já nem existe, se transformou em varanda. (na imagem acima do Rildo Silveira, na Fazenda Santa Clara em Santa Rita de Jacutinga MG, podemos perceber a eira e beira no telhado. Tanto rico, quanto pobre, podiam ter esses detalhes no telhado)

Portanto, quem tinha uma eira, que é um terreiro de secagem da produção da beira, uma propriedade rural, era rico, dono de casas, cavalos, gado, tinha vários empregados, etc.

Como podem notar, a expressão portuguesa da Idade Média “fulano não tem eira e nem beira”, não tem nada a ver com adornos existentes nos telhados das casas do Brasil Colônia e Imperial. Essa expressão é portuguesa e não tem nada a ver com a explicação que são passadas por Guias e demais pessoas. Eira e beira nunca foi fator de divisão entre pobres e ricos. Essa “estória” que casa de rico tem eira, beira e tribeira e de pobre nem eira, nem beira e talvez uma tribeira, é só besteira.

Na real interpretação desse ditado popular, em Portugal, simplesmente significa que quem não tinha uma grande propriedade de terra e nem um terreiro para secagem de grãos, era pobre. Para ter eira e beira, obviamente, tinha que ser rico. Mas para ter fazer adornos decorativos no telhado, nem tanto.


Eira e beira e até tribeira no Brasil?


Há décadas que a “estória” que ricos construíam suas casas com eira, beira e tribeira e o pobre, sem eira e nem beira, apenas com tribeira, é contada, apresentada em vídeos, em artigos e reportagens como se fosse verdade e popularizou-se graças aos Guias de Turismo pelo Brasil. (Na fotografia acima de Sueli Santos, um casarão colonial em Ouro Preto MG)

Não é e nunca foi. Mesmo sem ter nenhum fundamento histórico e muito menos sentido, definir o status social de uma pessoa, baseado em simples adornos no telhado, é no mínimo questionável pelo mais simples leigo no assunto.

Existem dezenas ou até centenas de ditados populares em Minas Gerais, durante o Ciclo do Ouro, nos séculos XVIII e XIX e sempre ouvimos explicações dos Guias de Turismos sobre esses ditados. A ideia é mostrar como surgiram essas expressões. A maioria dos “guiados” desconhecem pouco a história, nem percebe que várias “explicações” dadas não tem lógica e nem fundamento histórico. Pior ainda, muitas dessas expressões já existiam em Portugal bem antes do descobrimento do Brasil.

Tentam explicar o surgimento de expressões populares, superstições e senhas, com explicações duvidáveis, ao menos para quem não tem muita afinidade e pouco conhecimento de história. Além de não ter fundamento, criam outra que nem existem ou existiram.


É a tal tribeira. Eira e beira sim, já mostrei acima, mas tribeira? Pesquisei em dicionários, livros de história e não encontrei essa palavra. Quem pode dizer o que é isso é só mesmo o inventor dessa palavra. A única definição que existe é a clássica dita pelos Guias de Turismo que tribeira seria a terceira camada mais alta, acima da eira e da beira. Mas na história real, essa palavra não era usada. Só mesmo quem criou essa palavra para explicar sua origem. (Na imagem acima do Sérgio Mourão/@encantosdeminas, temos uma casa simples no Quilombo dos Bois, em Angelândia MG, com eira e beira e até com calha)


Adornos em telhas para proteger a parede de infiltrações existiam e existem até hoje, sejam um, dois, três, quatro, cinco. Isso depende do projeto e do arquiteto. Só falta aparecer uma tetrabeira, uma pentabeira, hexabeira... Haja telhado! E lá vai eu inventando também. (Na foto acima de Thelmo Lins, a sala da União, do século XIX, em Belmiro Braga MG)

Embora essa expressão falada no Brasil não tenha nada a ver com a expressão portuguesa original, quem não tem eira e nem beira significa hoje que é uma pessoa está é numa miséria danada ou na linha da pobreza mesmo. E nada a ver com adornos no telhado de casas.


Fonte: 

Autor: Arnaldo Silva




sábado, 1 de fevereiro de 2025

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTA FRASE DE NATHANIEL HAWTHORNE

 


 “Não há homem que, durante um período considerável, seja capaz de manter uma cara para si e outra para a multidão sem que, por fim, caia em confusão sobre qual das duas é verdadeira.” 

– Nathaniel Hawthorne, in A Letra Escarlate.