“Às vezes o pensamento humano se perde nos meandros da sua lógica, presa de uma geometria que é um fim em si e já não tem por alvo a compreensão da realidade, mas alimentar uma presunção. Somos tão monstruosamente egoístas que, para nunca reconhecermos nossos erros, preferimos nos aniquilar perseguindo nossas falsas verdades. Contra essa deriva da mente, muitos homens se refugiam na fé num ser supremo que possui a chave de todos os mistérios e o antídoto para todas as dores. Em troca de humildade, Deus nos promete conhecimento e à nossa dolorosa multiplicidade opõe sua reconciliadora unidade. Mas se Deus existisse, teria nos feito diferentes, completamente prisioneiros da matéria de que vimos, ou completamente livres da escravidão da mente, seus iguais ou seus escravos. Não teria abandonado suas criaturas nesta condição intermediária entre danação e beatitude, obrigadas a buscar a perfeição divina com os instrumentos imperfeitos do conhecimento humano. Se Deus precisa da nossa imperfeição e dos nossos limites, ele vale tanto quanto nós. Não é Deus mas demônio, e da sua maldade fundadora provêm todas as coisas. É verdade que nestes tempos de hoje é mais fácil crer no demônio do que em Deus. Eu, que pelos olhos dos soldados que vi morrer pude olhar no além, só vi a mais densa escuridão. E então, em vez de me imaginar submisso a um espírito do mal, prefiro pensar que o universo não é animado por uma vontade onipotente, mas pelo jogo casual da química. As mil substâncias que o compõem se chocam e se misturam toda vez que se encontram, e suas reações podem ser desmedidas como uma explosão estelar ou minúsculas como uma eletrólise, impressionantes como a fissão do átomo ou sublimes como a floração das cerejeiras. Quando tudo estiver misturado, quando toda oxirredução estiver consumada, quando a matéria for feita de núcleos pequenos como grãos de areia mas pesados como este planeta e todo elétron estiver encerrado em órbitas incindíveis, então haverá paz no universo.”
A morte e a paz. Diego Marani in “A nova gramática finlandesa”. Título original: Nuova Grammatica Finlandese; Tradutor: Eduardo Brandão
Nenhum comentário:
Postar um comentário