domingo, 5 de janeiro de 2025

MÚSICA: MERCY STREET / RUA DA MISERICÓRDIA, DE PETER GABRIEL

 Peter Gabriel dedicou a música Mercy street, à poetisa confessional norte americana Anne sexton.



Nascido no Reino Unido em 1950, Peter Gabriel fez sucesso com o grupo de Rock progressivo “Genesis” e posteriormente , em carreira solo, lançou músicas distintas, geralmente acompanhadas de clipes inovadores. Alguns dos clipes das músicas do Peter Gabriel estão entre as pérolas da animação em video clipe dos anos 80.

Peter Gabriel

Mercy Street é um das composições hipnotizantes de Peter Gabriel. A atmosfera calmante e intrigante criada pela combinação de sons, o triângulo brasileiro tilintando constantemente. A musicalidade de Mercy Street já é por si, única, envolvente, universal. Foi então que redescobri a música, quando parei para prestar atenção na letra e descobri, atrás de uma camada, muito mais profundidade.


Veja o clipe e leia a letra:






MERCY STREET , de Peter Gabriel



for Anne Sexton



looking down on empty streets, all she can see

are the dreams all made solid

are the dreams all made real



all of the buildings, all of the cars

were once just a dream

in somebody’s head



she pictures the broken glass, she pictures the steam

she pictures a soul

with no leak at the seam



lets take the boat out

wait until darkness

let’s take the boat out

wait until darkness comes



nowhere in the corridors of pale green and grey

nowhere in the suburbs

in the cold light of day



there in the midst of it so alive and alone

words support like bone



dreaming of mercy st.

wear your inside out

dreaming of mercy

in your daddy’s arms again

dreaming of mercy st.

‘swear they moved that sign

dreaming of mercy

in your daddy’s arms



pulling out the papers from the drawers that slide smooth

tugging at the darkness, word upon word



confessing all the secret things in the warm velvet box

to the priest;he’s the doctor

he can handle the shocks



dreaming of the tenderness, tremble in the hips

of kissing Mary’s lips



dreaming of mercy st.

wear your insides out

dreaming of mercy

in your daddy’s arms again

dreaming of mercy st.

‘swear they moved that sign

looking for mercy

in your daddy’s arms



mercy, mercy, looking for mercy

mercy, mercy, looking for mercy



Anne, with her father is out in the boat

riding the water

riding the waves on the sea



Tradução:


RUA DA PIEDADE, de Peter Gabriel



Olhando para baixo em ruas vazias, tudo que ela pode ver

são os sonhos todos tornados sólidos

são os sonhos tornados reais

todos os edifícios, todos aqueles carros

eram apenas um sonho

na cabeça de alguém



ela retrata o vidro quebrado, ela retrata o vapor

que retrata uma alma

sem nenhum escape na emenda



vamos trazer o barco para fora

esperar até a escuridão

vamos trazer o barco para fora

esperar até que a escuridão venha



em nenhuma parte nos corredores de verde pálido e cinza

em nenhuma parte nos subúrbios

na luz fria do dia

lá no meio de tudo, tão viva e só

palavras suportam como ossos



sonhando com a rua da piedade

Use seu interior do lado de fora

sonhando com a rua da piedade

de novo nos braços do seu papai

sonhando com a rua da piedade

jura que eles moveram esse sinal

sonhando com a rua da piedade

de novo nos braços do seu papai



puxando para fora dos papéis das gavetas que deslizam bem

rebocando a escuridão

palavra por palavra


confessando todas as coisas secretas na morna caixa de veludo

ao padre - ele é o doutor

ele pode com os choques



sonhar com a ternura --o tremor nos quadris

Ao beijar os lábios de Maria



sonhando com a rua da piedade

Use seu interior do lado de fora

sonhando com a rua da piedade

de novo nos braços do seu papai

sonhando com a rua da piedade

jura que eles moveram esse sinal

procurando por piedade

nos braços do seu papai



piedade, piedade, procurando por piedade

piedade, piedade, procurando por piedade



Anne, com seu pai está lá fora no barco

singrando a água

singrando as ondas no mar



A música de Peter Gabriel começa com uma dedicatória à poetisa norte-americana Anne Sexton, autora de uma peça teatral homônima. Há também um poema chamado “45 Mercy Street”, em que ela busca pelo próprio endereço, mas não consegue encontrar. No poema ela confessa estar em uma cidade sempre em busca de uma placa onde está escrito “Rua da misericórdia, 45”.

Desde criança a relação de Anne com os pais era complicada. A mãe, uma escritora frustrada mantinha um diário, e o pai era um alcoólatra. O biógrafo de Anne chegou a indicar a possibilidade de que ela tenha sido abusada sexualmente durante a infância, mas todos os familiares de Anne negam esse fato. É mais aceito o fato de que o pai de Anne foi abusivo, não sexualmente, mas emocionalmente. Em uma declaração, Anne disse “Não importa quem foi meu pai; importa quem eu me lembro que ele foi”.

Anne viveu lutando contra a solidão e a depressão. Os poemas revelam muito sobre as tendências suicidas de Anne e falam sobre temas diversos, mas voltados principalmente para o mundo feminino: lesbianismo, masturbação, adultério e erotismo. Aos 20 anos ela tentou se suicidar, frequentou um psicólogo com quem teve um caso extraconjugal. Teve filhos e sofreu de depressão pós-parto; acumulado a isso, o marido costumava viajar com frequência e Anne nunca foi fiel. Ela chegou a um estágio de depressão em que os terapeutas a aconselharam a escrever. A poesia aos poucos se tornou o centro de sua vida.

Em março de 1959 a mãe de Anne morreu com câncer no seio. Apenas três meses depois morreu também o pai de Anne com uma doença no cérebro. Ela perdeu os pais abruptamente e perdeu também qualquer chance de reconciliação das difíceis relações que ela teve com os pais desde cedo, isso a conduziu a mais depressão. Em um de seus poemas Anne conta sobre estar limpando a casa dos pais falecidos e olhando o álbum de família; muito da música fala sobre Anne tentando reencontrar seu passado e a casa de sua infância, sem sucesso.

O casamento se tornou instável e problemático conforme o marido percebia que ela rumava para a fama; é dito que o marido tentou violentá-la quando ela já se tornava uma celebridade no mundo das letras. Quando ela finalmente pediu divórcio, após publicar poemas com tendências feministas, o estado de saúde piorou, e Anne recorreu ao álcool. Sentiu-se sozinha, depressiva e no dia 4 de outubro de 1964 ela se suicidou asfixiada com monóxido de carbono na garagem de casa.


Anne Sexton

Na relação entre Anne e o pai, ela sempre foi maltratada, na adolescência o pai disse que sentia nojo dela por causa de um problema de acne, apenas para ilustrar o inferno para um adolescente ouvir algo assim do próprio pai, e ela viveu, desde a infância com o constante medo de ser abandonada. Apesar disso, Anne não guardou ódio, apesar das escaras. O amor dela pelo pai transcende o cotidiano, transcende a moral e o humanamente aceitável. Ela perdoava o pai e o amava além da vida.

As boas lembranças da infância foram um sonho impossível, desfeito. Morreu triste em uma busca pela infância perdida. A música de Peter Gabriel captura esse sentimento sem nenhum pesar, com a leveza purificadora do tempo.

A relação entre pais e filhos vai muito além de qualquer empecilho mundano. “Anne e seu pai saíram no barco, montados sobre as ondas do mar buscando por misericórdia”


Fonte:

Autor: Gustavo Serrate

Publicado em 19 de maio de 2011

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTA FALA DE UM PERSONAGEM DE ÉRICO VERÍSSIMO:

 


      "Racista, eu? Ora, não sejas bobo. Sabes como trato minha negrada. Eles me adoram. Mamei nos peitos duma negra-mina. Me criei no meio de moleques pretos retintos. Quando leio esses casos de ódio racial nos Estados Unidos, comento com a Lanja e lhe digo que no Brasil, graças a Deus, não tem esses problemas, pois aqui o negro conhece o seu lugar".

Érico Veríssimo, in INCIDENTE EM ANTARES (fala de uma personagem).