quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

ARTES PLÁSTICAS: POR QUE SE CHAMA “MONA LISA” À “GIOCONDA”?

A “Mona Lisa”, também conhecida como “Gioconda”, 

é um dos quadros mais famosos de Leonardo da Vinci. 

Mas sabia que o seu nome original era outro?


Leonardo da Vinci - Monalisa
Gioconda
Museu do Louvre

A Gioconda é uma das obras mais famosas de Leonardo da Vinci. Exposto no Museu do Louvre de Paris, é, seguramente, o retrato mais famoso da história. É considerado uma obra-prima devido ao uso de técnicas inovadoras como o sfumato e o halo de mistério que exala, especialmente o seu enigmático sorriso.

O retrato representa a esposa de um comerciante florentino, Francesco del Giocondo, daí o nome de Gioconda. Contudo, a pintura é mais conhecida por outro nome: Mona Lisa. No Renascimento, era comum as pessoas darem alcunhas às obras de arte que, por vezes, se tornavam mais famosas do que o seu nome oficial.

No caso deste quadro, qual dos nomes é o “oficial”? Na verdade, nenhum dos dois, já que o título original desta obra era Retrato de Lisa Gherardini, esposa de Francesco del Giocondo. La Gioconda e La Mona Lisa são os nomes populares que acabaram por se tornar mais conhecidos do que o oficial, que tem pouca garra e é um pouco comprido.

Quem era a Mona Lisa?

A mulher retratada é, provavelmente, Lisa Gherardini, a terceira esposa de Giocondo, que enviuvara pela segunda vez. “Mona” é uma grafia antiga da palavra italiana “monna”, um diminutivo medieval de “madonna”, ou seja, “senhora”. Portanto, este segundo nome significa simplesmente “a senhora Lisa”.

O quadro foi encomendado por Giocondo por volta do ano 1503, provavelmente para comemorar o nascimento do seu segundo filho. Os retratos eram um luxo reservado às classes altas e eram encomendados em ocasiões especiais. Francesco queria um retrato que representasse a virtude e a beleza da sua esposa, que, na altura, teria cerca de 25 anos.

A identidade de Lisa Gherardini como a modelo da Mona Lisa é a hipótese mais generalizadamente aceite, pois é corroborada pelas crónicas da época, incluindo os escritos de Giorgio Vasari, biógrafo de artistas do Renascimento. Ainda assim, devido ao halo de mistério existente em torno da modelo e do seu misterioso sorriso, surgiram várias hipóteses alternativas, desde se tratar da mãe do pintor até ser um auto-retrato do próprio Leonardo.

A paisagem de fundo também permaneceu um mistério ao longo dos séculos e diversos historiadores da arte tentaram relacioná-la com um sítio concreto, que pudesse fornecer pistas sobre o passado do artista. Apesar disso, as opiniões dividem-se entre quem pensa que se trata de uma paisagem real e quem ache que foi inventada: há que ter em conta que, para aquele tipo de encomendas, o importante era o sujeito e o fundo era escolhido para realçar a pessoa retratada.

A história do quadro encerra um mistério adicional: a pintura nunca foi entregue à família. Leonardo conservou a obra consigo até à sua morte em 1519. Pensa que tal se deva ao facto de ele a utilizar como um exercício contínuo para aperfeiçoar as suas técnicas, ou que a encomenda tenha sido interrompida por circunstâncias desconhecidas.

Quando da morte de Leonardo, ou pouco antes, o quadro passou para a posse do rei francês Francisco I, que o comprou pelo valor de 4.000 escudos de ouro, que, ao câmbio actual, equivaleriam a entre 700.000 e um milhão de euros: uma autêntica pechincha, uma vez que é o retrato mais famoso da história.



Fonte:

Autor: Abel G.M.

13 de Janeiro de 2025




domingo, 26 de janeiro de 2025

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

CULINÁRIA: DOCE DE LEITE - ORIGEM E RECEITA TRADICIONAL DE MINAS

 DOCE DE LEITE: ORIGEM E RECEITA TRADICIONAL


O ato de ferver o leite com açúcar originou um dos doces mineiros mais tradicionais de Minas Gerais, o doce de leite. Se ficar menos tempo no fogo, fica cremoso. Se ficar mais tempo, fica sólido, bom para corte.


O doce surgiu numa época de busca por alimentos, numa terra recém povoada. Sabia-se que a gordura preservava por mais tempo alimentos perecíveis, bem como açúcar, que é um conservante natural. Em busca de alimentos que durassem mais tempo, por um acaso ou não, surgiram vários alimentos, como o doce de leite. (foto acima da Lúcia Barcelos)
O doce de leite harmoniza muito bem com o queijo Minas, com doces como de figo, casca de laranja-da-terra, de mamão, além de ser versátil, podendo ser usado em receitas diversas, para fazer sorvetes, recheios para bolos, biscoitos, pudins, pães, roscas, churros, balas, etc.
Presente na culinária mineira desde o século XVIII, o doce de leite conquistou, não só o paladar dos mineiros, mas também de todos os brasileiros, a partir da segunda metade do século XIX, quando começou a se popularizar em todo o Brasil.

O maior produtor e consumidor de doce de leite no Brasil é Minas Gerais. Embora tenha centenas de fábricas de doces por todas as cidades mineiras, o doce de leite caseiro ainda é o mais popular entre os mineiros.

O doce surgiu numa época de busca por alimentos, numa terra recém povoada. Sabia-se que a gordura preservava por mais tempo alimentos perecíveis, bem como açúcar, que é um conservante natural. Em busca de alimentos que durassem mais tempo, por um acaso ou não, surgiram vários alimentos, como o doce de leite.
O doce de leite harmoniza muito bem com o queijo Minas, com doces como de figo, casca de laranja-da-terra, de mamão, além de ser versátil, podendo ser usado em receitas diversas, para fazer sorvetes, recheios para bolos, biscoitos, pudins, pães, roscas, churros, balas, etc.
Presente na culinária mineira desde o século XVIII, o doce de leite conquistou, não só o paladar dos mineiros, mas também de todos os brasileiros, a partir da segunda metade do século XIX, quando começou a se popularizar em todo o Brasil.

O maior produtor e consumidor de doce de leite no Brasil é Minas Gerais. Embora tenha centenas de fábricas de doces por todas as cidades mineiras, o doce de leite caseiro ainda é o mais popular entre os mineiros.



Quem inventou o doce de leite?

A história afirma que o doce de leite foi criação mineira. O problema é que os argentinos, afirmam que são eles os inventores da iguaria. (fotografia acima de Arnaldo Silva)

Mineiros e argentinos disputam quem foi o primeiro a fazer o doce de leite desde o século XIX. Enquanto esse imbróglio centenário com os argentinos não se resolve, a origem do doce de leite segue incerta.



A versão dos mineiros

Segundo opinião de historiadores, o doce de leite foi criado em Minas Gerais. Surgiu pela necessidade da criação de alimentos, numa terra que a cada dia recebia aventureiros, bandeirantes e portugueses, que chegaram à Minas Gerais, com a descoberta de ouro, no século XVIII.(fotografia acima de Evaldo Itor Fernandes em Moeda MG).

O doce de leite saiu das cozinhas mineiras, nos primórdios do povoamento de Minas Gerais por um erro. Ao ferver o leite de vaca com açúcar, o leite foi esquecido no fogo, o que resultou num creme amarronzado. O sabor ficou ótimo, surgindo assim o doce de leite, passando a iguaria a ser feita pelas famílias mineiras com a receita passada de geração para geração, desde o século XVIII.
O doce de leite se popularizou entre os mineiros ainda nos primeiros anos de sua descoberta, passando a ser apreciado por todos, chegando à nobreza e passando a ser feito também em outras regiões brasileiras.
Não há nenhum relato em nossa história de doce de leite feito antes da popularização do doce em Minas Gerais.

Doce de leite, junto com o pão de queijo e o queijo, são as principais identidades mineiras.

A versão dos argentinos

Quem experimentou o doce de leite argentino sabe muito bem que o doce é diferente do feito em Minas Gerais. Os sabores são diferentes, pelo leite, pelo tipo de açúcar, por especiarias regionais inseridas na receita e pela proporção entre os dois ingredientes, o açúcar e o leite. Obviamente há diferenças na textura, cor e sabor.

Segundo os argentinos, o doce de leite foi inventado por eles em 1829, no século XIX, na fazenda do governador Juan Manuel de Rosas, nas proximidades de Buenos Aires.

Uma das criadas do governador estava preparando lechada, um tipo de chá da tarde dos argentinos, uma bebida de leite quente com açúcar. Como a criada estava bastante cansada, deitou-se para descansar um pouco, deixando a lechada no fogo e acabou cochilando.

Quando acordou, foi à cozinha e viu que a lechada tinha se transformado em uma pasta cremosa e amarronzada. Mostrou ao governador, que experimentou e gostou tanto que apresentou a iguaria às pessoas que conhecia, tornando-a popular entre os argentinos, a partir de então.

Segundo historiadores, não há nenhuma evidência concreta que essa história seja verídica, mas é uma boa história que os argentinos defendem para se afirmarem os criadores do doce de leite.

Até porque, doce de leite como conhecemos, já existia em Minas Gerais desde o século XVIII, bem antes da “invenção” argentina, em 1829, no século XIX.

Outra versão

Há também historiadores que afirmam que as duas versões, tanto mineira, quanto argentina, não tem comprovação e que não é possível dizer com certeza, quem criou o doce de leite, se mineiros ou argentinos ou nenhum dos dois.

Concordam apenas em dizer que tanto mineiros, quanto argentinos, desenvolveram a receita original, de acordo com suas características regionais, estilo e especiarias locais, gerando assim variações diversas do doce, ao longo do tempo.

A receita do doce de leite tradicional

Em sua forma cremosa é o mais popular, mas também tem forma sólida, em barra ou cortado em pedacinhos. A diferença entre um tipo e outro é o tempo que fica no fogo.


Para fazer o doce de corte, basta deixa-lo mais tempo no fogo, tendo atenção para não queimar e bater com uma colher de pau, até começar a endurecer. Por fim é despejado em tabuleiro ou forma e cortado. (fotografia acima da Lúcia Barcelos)

Receita tradicional

Ingredientes

. 5 litros de leite integral
. 1 quilo de açúcar

Modo de preparo

- Despeje todo o leite num tacho, se possível de cobre junto com açúcar e leve ao fogo médio
- Mexa sem parar com uma colher de pau até começar a ferver para que o açúcar se dissolva por completo e se caramelize por igual
- Quando começar a ferver e continue mexendo por 15 minutos
- Reduza mais ainda o volume do fogo e deixe no fogo, mexendo sempre até que adquira uma consistência cremosa na cor marrom claro
- Caso prefira, pode adicionar frutas com o doce já pronto de frutas a seu gosto como pêssego, figo ou outras frutas que preferir, ou mesmo, chocolate (foto abaixo de Evaldo Itor Fernandes)


- Espere esfriar, coloque o doce em uma tigela ou potes de vidro e sirva acompanhado de Queijo Minas.


Fonte:

Autor: Arnaldo Silva 


segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

CITAÇÕES USE COMO EPÍGRAFE ESTAS PALAVRAS DE UM SOLDADO NA PRIMEIRA GUERRA, SEGUNDO MAX HASTINHGS:

 


    “É extraordinário como a gente se acostuma com esta vida nômade, dormir e comer aqui e ali e não pensar em nada importante, porque nada sabemos. Não lemos nem cartas nem jornais, e não podemos participar do drama que se desenrola (...) Marchamos estúpidos e calados – escravos do deus da guerra”. 

(Edouard Coeurdevey, soldado na primeira guerra, apud Max Hastings, in Catástrofe 1914: a Europa vai à guerra; tradução de Berilo Vargas)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

SOCIEDADE: POR QUE UTILIZAMOS A PALAVRA "VEADO" PARA DESIGNAR OS HOMOSSEXUAIS?

 A origem da utilização da palavra “Veado” 

para designar homossexuais no Brasil


(Felix D'eon)

Sabemos que o Brasil é um país muito ignorante, mas às vezes ele nos oferece coisas surpreendentes ligadas à cultura. Por exemplo, só aqui existe o adjetivo “balzaquiana” (sempre no feminino) para qualificar as mulheres que passam dos trinta anos. Sei que a expressão baseia-se apenas no título de um dos piores romances de Balzac, A Mulher de Trinta Anos, porém, o simples fato de qualquer brasileiro utilizar uma expressão tão literária para designar a idade de certas mulheres, deveria denotar uma intimidade com as letras que somos obrigados a não reconhecer… Imagine se esta qualificação fosse cunhada na Inglaterra – todos nós imaginaríamos ser isto mais uma prova de que os ingleses são cultíssimos!

Por isto, assombra-nos ainda mais que nosso povo chame de veados a nossos homossexuais. Primeiramente, é mister derrubar a hipótese errônea de que a palavra seria escrita como “viado”, tendo sua origem numa simples corruptela de “desviado”. O estigma de ser um desviado, além de uma agressão aos homossexuais, é ridículo, ainda mais se considerarmos as opções vernaculares disponíveis.

Tudo deriva de um inesperado conhecimento de nosso povo sobre a vida e a reprodução dos veados. Explicarei como isso se dá. A veada (ou veado fêmea) entra no cio e passa, com suas emanações, a atrair os machos. Obviamente, muitos machos se candidatam, mas ela é uma natureza fiel, e manterá relações com apenas um dos animais. Como muitas vezes acontece na natureza, não será ela quem escolherá seu parceiro. Serão eles que travarão uma série de lutas para decidir quem a merecerá. Durante essas refregas, a produção de esperma dos machos intensifica-se e eles ficam inteiramente voltados para disputa, sendo que muitos deles, neste ínterim, perdem 15% de seu peso.

(Ultrassonografia de um testículo de veado 
lotado de esperma antes de ser “aliviado”)

Depois disso, o veado vencedor aproxima-se da veada e eles mantêm um longo coito em que ele deposita enorme quantidade de sêmen na fêmea e que é assistido pelos perdedores. Ora, eles não se retiram do local porque ainda tem algo a fazer. Quando o macho vencedor desprende-se da veada, eles, um a um, formando uma fileira desorganizada, denominada nos círculos científicos de “Fila de desopilação”, curam seu ressentimento montando-se uns às costas dos outros — todos machos — penetrando-os, com a finalidade de se aliviarem. Depois fazem a troca, pois todos devem se livrar do esperma. Claro, a natureza é sábia: eles, após produzirem por volta de 300 ml de esperma em cada testículo, mal podem caminhar — então como poderiam ir de árvore em árvore para alimentar-se ou fugir de algum animal maior? Nos homens, este fenômeno é chamado por muitos — e aqui meus leitores mais sensíveis e as crianças hão de me perdoar — de “dor nas bolas” e ocorre quando uma grande excitação sexual acaba em malogro.

(Flagrante de uma “Fila de Desopilação”)

Após este ritual, é comum que alguns destes veados perdedores passem a demonstrar certa afeição entre si. Há também aqueles que passam a acompanhar o casal vencedor até o nascimento do veadinho, mas nossos cientistas garantem: eles sempre demonstram acentuado interesse pelo macho. Alguns passam a fazer parte da família e, quando da ocorrência de outro embate por uma fêmea, escolhem perder, brigando apenas até obterem maior produção de esperma. Dir-se-ia que cumprem carnê.

(Dois veados machos ligados pelo afeto)

Ora, estes seres cujas escolhas parecem inadequadas à preservação da espécie não devem ser escamoteados ou considerados de menor importância, pois são eles que se atiram em sacrifício quando da presença de algum animal mais forte e ameaçador à família, muitas vezes rasgando-se todos.

Por que o “Animal`s Planet” e os programas sobre a vida animal não divulgam tais verdades? A resposta é clara. Primeiro, temos de considerar que, de cada dez palavras que circulam pelas agências internacionais de notícias e de cada dez minutos de transmissão televisionada no mundo, temos, respectivamente, nove palavras e 8 minutos e 23 segundos de responsabilidade ou norte americana ou de entidades religiosas, sejam estas católicas, protestantes ou muçulmanas. Sabendo-se que tais sociedades caracterizam-se por uma forte deturpação de evidências, é normal que fatos de indiscutível veracidade venham a ser omitidos ou mesmo falseados.

Não vejo motivo para que continuemos a turvar a realidade desta maneira, não vejo que prejuízo nossas crianças teriam de soubessem da fila de desopilação dos veados e sempre fui de opinião de que A los niños hay que decirles siempre la verdad, no hay que asustarlos con cucos, brujas, ogros, temibles personajes imaginários pero con cosas más reales, como nos ensina a melhor pedagogia argentina.

Não sei como, quando e nem quem passou a chamar nossos homossexuais de veados, mas esta pessoa — talvez um veterinário — certamente tinha informações privilegiadas sobre a vida animal e fez uma analogia com a vida humana que, se está longe de constituir-se num exato paralelo, é demonstradora de grande cultura.

Fonte:

Autor: Milton Ribeiro

19 de janeiro de 2010


terça-feira, 14 de janeiro de 2025

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTA FRASE DE AUGUSTO ABELAIRA:


 

      “Poderíamos amar-nos e ser felizes se não nos tivéssemos casado, se não vivêssemos juntos, se fôssemos livres”. 

– Augusto Abelaira, in Seara Amena.

sábado, 11 de janeiro de 2025

HUMOR: O PAPAGAIO, UMA CRÔNICA DE J. SIMÕES LOPES NETO

 

O PAPAGAIO, de J. Simões Lopes Neto

 


O reverendo Padre Bento de S. Bento - que o senhor talvez conhecesse, não? - era um Santo homem paciente - paciente! paciente! - como naquela época outro não houve.

Nos circos de burlantins muita cousa curiosa tenho apreciado: cachorros sábios, cabras que fazem provas, cavalos dançarinos e burros que a dente pegam o palhaço pelo... atrás das pantalonas; mas a paciência para esse ensino não pode comparar-se, não se pode, com a do reverendíssimo.

O Padre Bento, farto de aturar sacristãos e não querendo estragar a sua paciência, que estava-lhe na massa do corpo, resolveu dizer as suas missas... sozinho.

Preparava as galhetas, o missal etc.; depois pachorrentamente paramentava-se e pachorrentamente esperava a hora de oficiar; chegada, encaminhava-se para o altar, e começava e concluía, parte por parte, tudo muito em ordem.

Mas o filé, o bem-bom, era quando entrava a ladainha: ele cantava o nome do soneto e uma vozinha esquisita, porém muito clara, respondia logo:

- O-o-a por nob-s!

E os fiéis, em seguida, pela pequena nave afora, acudiam ao estribilho:

- Ora pro nobis!

Dessas ladainhas assisti eu a muitas, na capelinha de S. Romualdo, que era próxima a nossa casa, na Vila de...

Agora sabem quem cantava as ladainhas do Padre Bento?

Era o Lorota, um papagaio amarelo, criado na gaiola e muito bem falante... com ele diverti-me muitas vezes:

- Lorota, da cá o pé!

E ele, ensinado pelo padre, respondia, amável!

Coitado!... O padre morreu e o Lorota, não tendo mais a quem dar contas, fugiu. Passaram-se os anos.


Uma vez, estava eu na Serra, numa espera de onça, quando senti - confesso, não medo, mas um arrepio de... frio - quando ouvi, nas profundezas do mato virgem, uma ladainha religiosa!...

E pausada, afinada, bem puxada em suma! Seria um sonho?... Estaria eu errado na tocada das onças, e, em vez de estar na floresta cheia de bichos ferozes, estava na vizinhança de algum convento, de alguma capela, de alguma romaria?...

E a ladainha, compassada e cheia, vinha se aproximando:

- Bento S. Bento!

- Ora pro nobis!

- Santo Atanásio!

- Ora pro nobis!

- S. Romualdo!

- Ora pro nobis!

Eu mergulhava os olhos por entre os troncos, os cipós e as japecangas a ver se bispava uma cor de opa, uma luz de tocha, uma figura de gente; nada! Nisto, a ladainha pousou nas arvores, por cima de mim. Pousou, sim, é o termo próprio, porque quem cantava era um bando de papagaios e quem puxava a ladainha era o papagaio do Padre Bento, era o Lorota!

A paciência do bicho!... Ensinar, direitinho, aos outros, a cantoria toda!...

Pasmo daquele espetáculo, e duvidando, quis tirar uma prova real, e perguntei para cima:

- Lorota? Dá cá o pé!...

Pois o papagaio conheceu a minha voz, conheceu, porque logo retrucou-me com a antiga resposta que ele sempre dava:

- Romualdo é bonito! Bonito!...

E como para obsequiar-me fez um - crr! - como aviso de comando e recomeçou a ladainha:

- Bento S. Bento!

- Ora pro nobis!

- Santo...

Nisto tremeu o mato com um berro pavoroso... o Lorota e seu bando bateu asas... e eu olhei em frente: a sete passos de distância estava agachada, de boca aberta, pronta para o salto, uma onça dourada, uma onça ruiva; uma onça de braça e meia de comprido!...

E na aragem do mato ainda soou um vozerio distante.

- Or... a pro no... bis!

- S... Ro... mual... do!

- Ora... pro... nobis!...

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

CITAÇÕES USE COMO EPÍGRAFE ESTAS FRASES DE HEINRICH HEINE SEGUNDO AGUSTO ABELAIRA

 


·      “Que justice se fasse! Qu’il soit brisé, ce vieux monde, où l’innocence a peri, où l’egoisme a prosperé, où l’homme a été exploite par l’homme! Qu’ils soient détruits de fond en comble ces sépulcres blanchis, où résidaient le mensonge et l’iniquité.” 

– Heinrich Heine; apud Augusto Abelaira, in Enseada Amena. 

(Tradução: Que se faça justiça! Que seja destruído este velho mundo, onde a inocência pereceu, onde o egoísmo floresceu, onde o homem tem sido explorado pelo homem! Que sejam completamente destruídos esses sepulcros caiados, onde residiam a mentira e a iniquidade.”)

domingo, 5 de janeiro de 2025

MÚSICA: MERCY STREET / RUA DA MISERICÓRDIA, DE PETER GABRIEL

 Peter Gabriel dedicou a música Mercy street, à poetisa confessional norte americana Anne sexton.



Nascido no Reino Unido em 1950, Peter Gabriel fez sucesso com o grupo de Rock progressivo “Genesis” e posteriormente , em carreira solo, lançou músicas distintas, geralmente acompanhadas de clipes inovadores. Alguns dos clipes das músicas do Peter Gabriel estão entre as pérolas da animação em video clipe dos anos 80.

Peter Gabriel

Mercy Street é um das composições hipnotizantes de Peter Gabriel. A atmosfera calmante e intrigante criada pela combinação de sons, o triângulo brasileiro tilintando constantemente. A musicalidade de Mercy Street já é por si, única, envolvente, universal. Foi então que redescobri a música, quando parei para prestar atenção na letra e descobri, atrás de uma camada, muito mais profundidade.


Veja o clipe e leia a letra:






MERCY STREET , de Peter Gabriel



for Anne Sexton



looking down on empty streets, all she can see

are the dreams all made solid

are the dreams all made real



all of the buildings, all of the cars

were once just a dream

in somebody’s head



she pictures the broken glass, she pictures the steam

she pictures a soul

with no leak at the seam



lets take the boat out

wait until darkness

let’s take the boat out

wait until darkness comes



nowhere in the corridors of pale green and grey

nowhere in the suburbs

in the cold light of day



there in the midst of it so alive and alone

words support like bone



dreaming of mercy st.

wear your inside out

dreaming of mercy

in your daddy’s arms again

dreaming of mercy st.

‘swear they moved that sign

dreaming of mercy

in your daddy’s arms



pulling out the papers from the drawers that slide smooth

tugging at the darkness, word upon word



confessing all the secret things in the warm velvet box

to the priest;he’s the doctor

he can handle the shocks



dreaming of the tenderness, tremble in the hips

of kissing Mary’s lips



dreaming of mercy st.

wear your insides out

dreaming of mercy

in your daddy’s arms again

dreaming of mercy st.

‘swear they moved that sign

looking for mercy

in your daddy’s arms



mercy, mercy, looking for mercy

mercy, mercy, looking for mercy



Anne, with her father is out in the boat

riding the water

riding the waves on the sea



Tradução:


RUA DA PIEDADE, de Peter Gabriel



Olhando para baixo em ruas vazias, tudo que ela pode ver

são os sonhos todos tornados sólidos

são os sonhos tornados reais

todos os edifícios, todos aqueles carros

eram apenas um sonho

na cabeça de alguém



ela retrata o vidro quebrado, ela retrata o vapor

que retrata uma alma

sem nenhum escape na emenda



vamos trazer o barco para fora

esperar até a escuridão

vamos trazer o barco para fora

esperar até que a escuridão venha



em nenhuma parte nos corredores de verde pálido e cinza

em nenhuma parte nos subúrbios

na luz fria do dia

lá no meio de tudo, tão viva e só

palavras suportam como ossos



sonhando com a rua da piedade

Use seu interior do lado de fora

sonhando com a rua da piedade

de novo nos braços do seu papai

sonhando com a rua da piedade

jura que eles moveram esse sinal

sonhando com a rua da piedade

de novo nos braços do seu papai



puxando para fora dos papéis das gavetas que deslizam bem

rebocando a escuridão

palavra por palavra


confessando todas as coisas secretas na morna caixa de veludo

ao padre - ele é o doutor

ele pode com os choques



sonhar com a ternura --o tremor nos quadris

Ao beijar os lábios de Maria



sonhando com a rua da piedade

Use seu interior do lado de fora

sonhando com a rua da piedade

de novo nos braços do seu papai

sonhando com a rua da piedade

jura que eles moveram esse sinal

procurando por piedade

nos braços do seu papai



piedade, piedade, procurando por piedade

piedade, piedade, procurando por piedade



Anne, com seu pai está lá fora no barco

singrando a água

singrando as ondas no mar



A música de Peter Gabriel começa com uma dedicatória à poetisa norte-americana Anne Sexton, autora de uma peça teatral homônima. Há também um poema chamado “45 Mercy Street”, em que ela busca pelo próprio endereço, mas não consegue encontrar. No poema ela confessa estar em uma cidade sempre em busca de uma placa onde está escrito “Rua da misericórdia, 45”.

Desde criança a relação de Anne com os pais era complicada. A mãe, uma escritora frustrada mantinha um diário, e o pai era um alcoólatra. O biógrafo de Anne chegou a indicar a possibilidade de que ela tenha sido abusada sexualmente durante a infância, mas todos os familiares de Anne negam esse fato. É mais aceito o fato de que o pai de Anne foi abusivo, não sexualmente, mas emocionalmente. Em uma declaração, Anne disse “Não importa quem foi meu pai; importa quem eu me lembro que ele foi”.

Anne viveu lutando contra a solidão e a depressão. Os poemas revelam muito sobre as tendências suicidas de Anne e falam sobre temas diversos, mas voltados principalmente para o mundo feminino: lesbianismo, masturbação, adultério e erotismo. Aos 20 anos ela tentou se suicidar, frequentou um psicólogo com quem teve um caso extraconjugal. Teve filhos e sofreu de depressão pós-parto; acumulado a isso, o marido costumava viajar com frequência e Anne nunca foi fiel. Ela chegou a um estágio de depressão em que os terapeutas a aconselharam a escrever. A poesia aos poucos se tornou o centro de sua vida.

Em março de 1959 a mãe de Anne morreu com câncer no seio. Apenas três meses depois morreu também o pai de Anne com uma doença no cérebro. Ela perdeu os pais abruptamente e perdeu também qualquer chance de reconciliação das difíceis relações que ela teve com os pais desde cedo, isso a conduziu a mais depressão. Em um de seus poemas Anne conta sobre estar limpando a casa dos pais falecidos e olhando o álbum de família; muito da música fala sobre Anne tentando reencontrar seu passado e a casa de sua infância, sem sucesso.

O casamento se tornou instável e problemático conforme o marido percebia que ela rumava para a fama; é dito que o marido tentou violentá-la quando ela já se tornava uma celebridade no mundo das letras. Quando ela finalmente pediu divórcio, após publicar poemas com tendências feministas, o estado de saúde piorou, e Anne recorreu ao álcool. Sentiu-se sozinha, depressiva e no dia 4 de outubro de 1964 ela se suicidou asfixiada com monóxido de carbono na garagem de casa.


Anne Sexton

Na relação entre Anne e o pai, ela sempre foi maltratada, na adolescência o pai disse que sentia nojo dela por causa de um problema de acne, apenas para ilustrar o inferno para um adolescente ouvir algo assim do próprio pai, e ela viveu, desde a infância com o constante medo de ser abandonada. Apesar disso, Anne não guardou ódio, apesar das escaras. O amor dela pelo pai transcende o cotidiano, transcende a moral e o humanamente aceitável. Ela perdoava o pai e o amava além da vida.

As boas lembranças da infância foram um sonho impossível, desfeito. Morreu triste em uma busca pela infância perdida. A música de Peter Gabriel captura esse sentimento sem nenhum pesar, com a leveza purificadora do tempo.

A relação entre pais e filhos vai muito além de qualquer empecilho mundano. “Anne e seu pai saíram no barco, montados sobre as ondas do mar buscando por misericórdia”


Fonte:

Autor: Gustavo Serrate

Publicado em 19 de maio de 2011

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTA FALA DE UM PERSONAGEM DE ÉRICO VERÍSSIMO:

 


      "Racista, eu? Ora, não sejas bobo. Sabes como trato minha negrada. Eles me adoram. Mamei nos peitos duma negra-mina. Me criei no meio de moleques pretos retintos. Quando leio esses casos de ódio racial nos Estados Unidos, comento com a Lanja e lhe digo que no Brasil, graças a Deus, não tem esses problemas, pois aqui o negro conhece o seu lugar".

Érico Veríssimo, in INCIDENTE EM ANTARES (fala de uma personagem).