Peter Gabriel dedicou a música Mercy street, à poetisa confessional norte americana Anne sexton.
Nascido no Reino Unido em 1950, Peter Gabriel fez sucesso com o grupo de Rock progressivo “Genesis” e posteriormente , em carreira solo, lançou músicas distintas, geralmente acompanhadas de clipes inovadores. Alguns dos clipes das músicas do Peter Gabriel estão entre as pérolas da animação em video clipe dos anos 80.
Peter Gabriel
Mercy Street é um das composições hipnotizantes de Peter Gabriel. A atmosfera calmante e intrigante criada pela combinação de sons, o triângulo brasileiro tilintando constantemente. A musicalidade de Mercy Street já é por si, única, envolvente, universal. Foi então que redescobri a música, quando parei para prestar atenção na letra e descobri, atrás de uma camada, muito mais profundidade.
Veja o clipe e leia a letra:
MERCY STREET , de Peter Gabriel
for Anne Sexton
looking down on empty streets, all she can see
are the dreams all made solid
are the dreams all made real
all of the buildings, all of the cars
were once just a dream
in somebody’s head
she pictures the broken glass, she pictures the steam
she pictures a soul
with no leak at the seam
lets take the boat out
wait until darkness
let’s take the boat out
wait until darkness comes
nowhere in the corridors of pale green and grey
nowhere in the suburbs
in the cold light of day
there in the midst of it so alive and alone
words support like bone
dreaming of mercy st.
wear your inside out
dreaming of mercy
in your daddy’s arms again
dreaming of mercy st.
‘swear they moved that sign
dreaming of mercy
in your daddy’s arms
pulling out the papers from the drawers that slide smooth
tugging at the darkness, word upon word
confessing all the secret things in the warm velvet box
to the priest;he’s the doctor
he can handle the shocks
dreaming of the tenderness, tremble in the hips
of kissing Mary’s lips
dreaming of mercy st.
wear your insides out
dreaming of mercy
in your daddy’s arms again
dreaming of mercy st.
‘swear they moved that sign
looking for mercy
in your daddy’s arms
mercy, mercy, looking for mercy
mercy, mercy, looking for mercy
Anne, with her father is out in the boat
riding the water
riding the waves on the sea
Tradução:
RUA DA PIEDADE, de Peter Gabriel
Olhando para baixo em ruas vazias, tudo que ela pode ver
são os sonhos todos tornados sólidos
são os sonhos tornados reais
todos os edifícios, todos aqueles carros
eram apenas um sonho
na cabeça de alguém
ela retrata o vidro quebrado, ela retrata o vapor
que retrata uma alma
sem nenhum escape na emenda
vamos trazer o barco para fora
esperar até a escuridão
vamos trazer o barco para fora
esperar até que a escuridão venha
em nenhuma parte nos corredores de verde pálido e cinza
em nenhuma parte nos subúrbios
na luz fria do dia
lá no meio de tudo, tão viva e só
palavras suportam como ossos
sonhando com a rua da piedade
Use seu interior do lado de fora
sonhando com a rua da piedade
de novo nos braços do seu papai
sonhando com a rua da piedade
jura que eles moveram esse sinal
sonhando com a rua da piedade
de novo nos braços do seu papai
puxando para fora dos papéis das gavetas que deslizam bem
rebocando a escuridão
palavra por palavra
confessando todas as coisas secretas na morna caixa de veludo
ao padre - ele é o doutor
ele pode com os choques
sonhar com a ternura --o tremor nos quadris
Ao beijar os lábios de Maria
sonhando com a rua da piedade
Use seu interior do lado de fora
sonhando com a rua da piedade
de novo nos braços do seu papai
sonhando com a rua da piedade
jura que eles moveram esse sinal
procurando por piedade
nos braços do seu papai
piedade, piedade, procurando por piedade
piedade, piedade, procurando por piedade
Anne, com seu pai está lá fora no barco
singrando a água
singrando as ondas no mar
A música de Peter Gabriel começa com uma dedicatória à poetisa norte-americana Anne Sexton, autora de uma peça teatral homônima. Há também um poema chamado “45 Mercy Street”, em que ela busca pelo próprio endereço, mas não consegue encontrar. No poema ela confessa estar em uma cidade sempre em busca de uma placa onde está escrito “Rua da misericórdia, 45”.
Desde criança a relação de Anne com os pais era complicada. A mãe, uma escritora frustrada mantinha um diário, e o pai era um alcoólatra. O biógrafo de Anne chegou a indicar a possibilidade de que ela tenha sido abusada sexualmente durante a infância, mas todos os familiares de Anne negam esse fato. É mais aceito o fato de que o pai de Anne foi abusivo, não sexualmente, mas emocionalmente. Em uma declaração, Anne disse “Não importa quem foi meu pai; importa quem eu me lembro que ele foi”.
Anne viveu lutando contra a solidão e a depressão. Os poemas revelam muito sobre as tendências suicidas de Anne e falam sobre temas diversos, mas voltados principalmente para o mundo feminino: lesbianismo, masturbação, adultério e erotismo. Aos 20 anos ela tentou se suicidar, frequentou um psicólogo com quem teve um caso extraconjugal. Teve filhos e sofreu de depressão pós-parto; acumulado a isso, o marido costumava viajar com frequência e Anne nunca foi fiel. Ela chegou a um estágio de depressão em que os terapeutas a aconselharam a escrever. A poesia aos poucos se tornou o centro de sua vida.
Em março de 1959 a mãe de Anne morreu com câncer no seio. Apenas três meses depois morreu também o pai de Anne com uma doença no cérebro. Ela perdeu os pais abruptamente e perdeu também qualquer chance de reconciliação das difíceis relações que ela teve com os pais desde cedo, isso a conduziu a mais depressão. Em um de seus poemas Anne conta sobre estar limpando a casa dos pais falecidos e olhando o álbum de família; muito da música fala sobre Anne tentando reencontrar seu passado e a casa de sua infância, sem sucesso.
O casamento se tornou instável e problemático conforme o marido percebia que ela rumava para a fama; é dito que o marido tentou violentá-la quando ela já se tornava uma celebridade no mundo das letras. Quando ela finalmente pediu divórcio, após publicar poemas com tendências feministas, o estado de saúde piorou, e Anne recorreu ao álcool. Sentiu-se sozinha, depressiva e no dia 4 de outubro de 1964 ela se suicidou asfixiada com monóxido de carbono na garagem de casa.
Na relação entre Anne e o pai, ela sempre foi maltratada, na adolescência o pai disse que sentia nojo dela por causa de um problema de acne, apenas para ilustrar o inferno para um adolescente ouvir algo assim do próprio pai, e ela viveu, desde a infância com o constante medo de ser abandonada. Apesar disso, Anne não guardou ódio, apesar das escaras. O amor dela pelo pai transcende o cotidiano, transcende a moral e o humanamente aceitável. Ela perdoava o pai e o amava além da vida.
As boas lembranças da infância foram um sonho impossível, desfeito. Morreu triste em uma busca pela infância perdida. A música de Peter Gabriel captura esse sentimento sem nenhum pesar, com a leveza purificadora do tempo.
A relação entre pais e filhos vai muito além de qualquer empecilho mundano. “Anne e seu pai saíram no barco, montados sobre as ondas do mar buscando por misericórdia”
Fonte:
Autor: Gustavo Serrate
Publicado em 19 de maio de 2011