Na manhã do dia 2 de março de 1938, quarta feira de cinzas, o cozinheiro Pedro Adukas levantou a porta de aço do restaurante chinês, na rua Venceslau Brás, nº 13, no Centro da Capital, e encontrou quatro corpos estendidos pela casa. No salão estavam os cadáveres de dois colegas de serviço, os garçons José Kilikevicius e Severino Lindolpho Rocha, assassinados a porretadas. Alguns passos depois, encontrou o corpo de seu patrão Ho-Fong, também morto com um porrete. O cozinheiro chamou a polícia, e, antes dela chegar, ainda achou no andar superior do prédio o cadáver de Maria Akiau Fong, mulher de Ho. Ela fora esganada.
Pedro Adukas acabara de descobrir um dos mais sangrentos e famosos latrocínios da crônica policial de São Paulo: O Crime do Restaurante Chinês.
Um caibro quase circular, medindo 71,4 cm de comprimento e pesando 1,23 quilos, foi encontrado no quintal do restaurante, comprovadamente a arma utilizada.
As suspeitas iniciais recaíram sobre patrícios de Ho e Maria, funcionários e ex-funcionários. Um deles, Manoel Custódio Pinto, era garçom e o mais antigo empregado da casa. Foi ouvido várias vezes pelo delegado Pedro de Alcântara Carvalho de Oliveira, que presidiu o inquérito, e, no terceiro interrogatório, a 4 de março, mencionou o nome de Arias de Oliveira, que trabalhara durante 16 dias como ajudante de cozinha e deixara o emprego na Sexta Feira de Carnaval. Era um dos funcionários autorizados a dormir no serviço, gozando ainda da simpatia do ex-patrão. Manoel revelou aos policiais que ouvira Ho dizer, na terça feira, que Arias pedira para ser readmitido.
Arias e o Casal de vítimas
Arias que chegara a São Paulo em 1937, com 21 anos de idade, vindo de Franca, no interior do Estado, passou, então, a ser o pincipal suspeito, até porque fornecera dados errados no cartório, dizendo ser de Franca e nascido em 1 de janeiro de 1912 para fugir do Serviço Militar. Foi preso em 11 de março, e submetido a “perícia antropopsiquiátrica”, técnica utilizada pela primeira vez pela polícia paulistana para esclarecer um delito.
Para auxiliá-lo nesta tarefa, o delegado Pedro de Alcântara chamou Ricardo Gumbleton Daunt (1894-1977), chefe do Serviço de Identificação, Edmur de Aguiar Whitaker (1909-1965), médico psiquiatra, Oscar Ribeiro de Godoy, médico antropólogo, e Pedro Moncau, médico endocrinologista. Arias foi interrogado e submetido a testes por três vezes. Os resultados indicaram ser ele o assassino.
Arias continuou negando, até 19 de março quando resolveu confessar, dizendo que desde que viera de Franca, seis meses atrás, enfrentara sérias dificuldades, passou fome e nas vezes em que se alimentara, fora graças a ajuda de amigos. Brincou o Carnaval no tablado armado na Praça do Patriarca, e no último dia, dançou até as 24 hs, final do baile. Na volta cruzou a Praça da Sé, e na rua Venceslau Brás, avistou José e Severino na porta do pequeno restaurante Ôrion. Ficou ali até a chegada dos patrões e pediu para dormir.
Ho-Fong era conhecido por tratar seus funcionários com ofensas e humilhações, e havia despedido Arias na sexta-feira anterior aos crimes. Arias, sabendo que o chinês guardava dinheiro e joias em seu apartamento localizado em cima do restaurante, planejou o crime, e voltou na terça-feira ao local, pedindo para dormir (alegando não ter lugar para passar a noite), pois existia um pequeno quarto nos fundos, onde alguns funcionários moravam. Fong negou o pedido, mas um dos garçons deixou que Arias entrasse no quarto sem o conhecimento do proprietário. Neste quarto, moravam José Kilikevicius e Severino Rocha. Quando percebeu que os ex-colegas já estavam dormindo, Arias levantou-se e, no meio da noite e com um pedaço de madeira, matou os garçons com pauladas no crânio.
Ho-Fong acordou com o barulho vindo do quarto dos fundos e, ao descer as escadas, encontrou Arias no meio do caminho, dando início a uma luta corporal em que Arias sufocou o chinês e depois matou-o com da mesma forma que seus ex-colegas.
Em seguida, Arias entrou no quarto do casal e torturou a esposa de Fong para que ela revelasse o local onde estava guardado o dinheiro e as joias, mas como Maria se negasse a dizer onde estavam, estrangulou-a.
Sem obter sucesso no roubo, Arias fugiu do local e foi preso mais de um mês depois. Inicialmente alegou que não esteve no local, mas, após vários interrogatórios, alegou que só dormiu ali, fugindo para salvar sua vida.
A prisão preventiva de Arias foi decretada em 21 de maio. Levado a julgamento em 31 de março de 1939, foi absolvido porque o juri considerou que fora forçado a confessar um crime que não cometera. Inconformado, o promotor público Raphael de Oliveira Pirajá (1903-1975) apelou ao Tribunal e este por meio da Primeira Vara, em acordão de 3 de junho de 1940 anulou a decisão do juri. O segundo julgamento teve inicio em 9 de setembro de 1940 e, mais uma vez, o advogado Paulo Lauro conseguiu a absolvição do acusado. Seguiu-se novo recurso do Ministério Público, mas a Segunda Câmara Criminal, a 27 de agosto de 1942 decidiu pela confirmação do julgamento anterior.
O prefeito eleito de São Paulo, Celso Pitta, do PPB, foi o segundo negro a ocupar o cargo. O primeiro foi o advogado Paulo Lauro, que conseguiu livrar Arias de Oliveira da cadeia por duas vezes. Lauro, nascido em 19 de novembro de 1907, em Descalvado, SP, e falecido em agosto de 1983, na Capital, defendeu nos tribunais a tese de que seu cliente, negro como ele, fôra vítima de racismo e obrigado a confessar um crime que não cometera.
As técnicas usadas pela polícia para identificar o autor do Crime do Restaurante Chinês deram sustentação aos argumentos de defesa. Arias, um negro analfabeto, serviu de cobaia para o delegado Pedro de Alcântara Oliveira, da Central de Polícia, que o submeteu a uma perícia antropopsiquiátrica realizada por uma comissão que realizou três baterias de testes com o réu e o considerou culpado, tomando por base teorias em moda na época, muitas delas racistas, como a defendida pelo advogado italiano Cesare Lombroso, para quem traços fisionômicos indicam se o indivíduo tem ou não má índole. Também colheu as impressões de Arias, comparou-as aos sinais fotografados no rosto de Maria Akiau Fong e concluiu serem da mesma pessoa.
Arias não era um cliente fácil de ser defendido. Natural de Cravinhos, no Interior Paulista, onde nasceu em 10 de janeiro de 1917, ele já tinha cometido alguns delitos antes de se declarar culpado de quádruplo assassinato. Para não servir as Forças Armadas havia falsificado a identidade. Além disso trabalhou como salva vidas em São Vicente, onde acabou furtando colegas.
Adhemar de Barros e Paulo Lauro
Ao conseguir a dupla absolvição de um réu com essa ficha. Paulo Lauro ganhou notoriedade junto as elites. Anos depois, em 29 de agosto de 1947, tomou posse como prefeito de São Paulo, indicado pelo então governador Adhemar de Barros. Exerceu o cargo até 3 de fevereiro de 1949. Aquela altura, o cliente que lhe rendera fama e respeito já havia sumido do mapa.
Há várias teorias sobre esse crime. Abaixo um vídeo com algumas delas.
Fontes:
Renato Savarese e Wilson Cocchi, Matéria reproduzida parcialmente de Revista Já, 17/11/1996
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