sexta-feira, 23 de maio de 2025

CITAÇÕES USE COMO EPÍGRAFE ESTE TEXTO DE RITA ALMEIDA

 


       
“O sujeito excessivamente moralista e exageradamente preocupado com o erro ou o pecado alheio, ou que faz muita propaganda da própria lisura ou virtuosidade, geralmente é o mais propenso a cometer o pecado que ele regula.

Não se trata de generalização rasa, é pura matemática de gestão da economia libidinal. Simples de entender.

A moral é uma espécie de dique que barra a correnteza de um rio, sendo que o rio é o que carrega nossas pulsões mais primitivas: egoístas, sombrias, violentas e imorais. O processo civilizatório humano consiste no desafio de educar, ordenar e canalizar tal correnteza, para que ela não se torne algo desenfreado a destruir tudo e todos. A moral é um desses ordenadores, mas não o único, é algo semelhante a uma barragem, com suas comportas que se abrem e se fecham, a fim de manter nossas pulsões represadas num nível estável.

O desafio subjetivo que está posto para nós tem a ver com aprender a abrir e fechar nossos diques, de acordo com a necessidade e o contexto, respeitando certos limites compartilhados, mas também evitando represar demais, sob o risco da correnteza estourar em algum momento. Porque caso não encontremos canais regulares para deixar vazar nossas pulsões de maneira razoável ou transformá-las em energia para outras funções que façam laço social, mais dia menos dia isso irá transbordar em sintomas e/ou explodir de forma violenta, atingindo outras pessoas.

O uso excessivo de mecanismos moralistas - e não se trata de moralismo sexual, apenas, a moral excessiva pode servir para regular qualquer tipo de comportamento, desde nossos hábitos cotidianos até a linguagem - é o recurso daquele incapaz de coordenar e cuidar de sua correnteza pulsional. Como lhe faltam ferramentas éticas e simbólicas para dosar a própria moralidade a partir de um pacto compartilhado ou sublimar suas pulsões, ele investe numa couraça exageradamente rígida, apostando que vai segurar a correnteza pelo uso da força. Quanto mais rígida e forte a sua barragem, tanto mais a conter ou a esconder.

Outra questão é que o moralista também está sempre mais interessado em você no que nele mesmo. Ele quer salvar sua alma, te livrar do pecado e do erro, te dizer a forma correta de fazer as coisas, te fazer parar de fumar e melhorar seus hábitos alimentares. É que para conseguir manter os diques dele fechados, precisa garantir que os seus também estejam. Qualquer vislumbre da sua abertura é uma enorme ameaça ao seu esforço em manter as suas pulsões represadas.

Enfim, desconfie do excesso de moralismo, nas gentes, na política, na religião, nas instituições ou quaisquer militâncias e movimentos coletivos. É sintoma de que o que está para emergir ali, a qualquer momento, é exatamente o contrário do que está sendo pregado”. 

- Rita Almeida, Psicanalista

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