O VELHO E OS GATOS
(DE 6 DEDOS)
São 50 gatos herdeiros legitimados em testamento pelo Prêmio Nobel de 1954, estrelas de livros como Hemingway’s Cats (Pineapple Press), que moram no 907 da Whitehead Street, em Old Town Key West, pequena ilha cercada pelo mar azul-turquesa da Flórida, na antiga casa feita de pedras nativas. Hemingway viveu de 1931 a 1940, bebeu e escreveu neste sobrado em estilo colonial espanhol pé na areia cercado por um jardim tropical e decorado por móveis antigos e animais empalhados (não gatos), hoje The Ernest Hemingway Home & Museum.
Alguns dizem que foi o período mais produtivo do autor de O Velho e o Mar, inventor do romance moderno que embola vida pessoal e ficção permeada por diálogos que causam efeitos na narrativa. Imitado por muitos de nós. Por mim, com certeza. Escrevia em pé na companhia de gatos de seis dedos. Normalmente eles têm cinco dedos na frente e quatro atrás.
Foi o capitão de um barco de Boston quem presenteou Hemingway com um gato da raça Maine Coon branco de seis dedos, Snowball. O bichano tendo em quem se inspirar achou que Key West era sempre uma festa e saiu espalhando o sêmen e o problema genético conhecido como polidactilia, depois de golinhos de leite e sobras de rum.
Hoje, os herdeiros são tratados e vacinados pelo veterinário Edie Clark e cercados por uma tela inclinada para dentro para impedir a fuga. A companhia farmacêutica Pfizer garante remédios para o bem-estar dos felinos, livres de pulgas e outros parasitas. A contrapartida é que os usa em anúncios.
Hemingway dava nome de pessoas famosas a seus gatos, como Picasso e Simone de Beauvoir. A tradição é seguida. Quer apostar que tem um Roth lá, gato velho e tarado, resmungando de dores no reto?
Se Snowball vadiou bastante pela ilha, calcula: os gatos que vivem lá e são tombados são da décima geração dos que se enrolaram pelos pés de Hemingway, ronronaram para ele, passearam entre seus papéis e lamberam seus beiços lambuzados de mojito. O velho Roth é pra lá do octaneto do escritor.
Não conheceram “Papa”, no entanto exercem um fascínio peculiar. Fãs, leitores e turistas em busca dos cruzeiros caribenhos dão uma paradinha para vê-los. Lá estão os tataranetos dos tataranetos daquele mulherengo beberrão que gostava de caçar, pescar e de touradas, lutou em três guerras e deu um tiro de fuzil na boca.
Melhor blindar os peludos da ira dos flashes.
Fonte:
Autor: Marcelo Rubens Paiva
– O Estado de S.Paulo, 29 de dezembro de 2012
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