sábado, 15 de junho de 2024

HISTÓRIA: LONDRES - A ESTAÇÃO DE SÃO PANCRAS, A ESTAÇÃO DO POETA



A ESTAÇÃO DO POETA


Escultura por Martin Jennings - 2007 (imagem Wikimedia Commons)



Moacir Pimentel


A estátua de Sir John Betjeman na estação de São Pancras é uma das mais fotografadas de Londres. Além de escritor, jornalista e radialista ele foi um dos poetas laureados ingleses. Um poeta laureado é aquele assim definido, oficialmente, pelo governo, no caso, o britânico. Mas o termo vem de longe, das coroas de louro com as quais, na Grécia antiga, eram homenageados os heróis.

Desde então o termo “laureado” e as coroas têm sido oferecidos a poetas romanos, medievais, dos séculos XVII e XVIII, sendo notória, inclusive, uma noite no final do inverno de 1778, quando os espectadores entusiasmados com Irène, a tragédia de autoria de François-Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudônimo de Voltaire, no sexto ato não se contiveram, subiram no palco e coroaram-no como o poeta da Comédie Française. A Grã Bretanha apenas seguiu uma velha tradição.

Durante os felizes dias que passou em Londres, a escritora Helene Hanff não pôde conhecer, no piso superior da Estação Internacional São Pancras a estátua de bronze de Sir John, olhando maravilhado ao seu redor e, principalmente, para as milhares novas vidraças e para o telhado que permitem que a luz natural inunde todo o enorme espaço. Projetada pelo escultor britânico Martin Jennings, a estátua de dois metros de altura comemora a campanha bem sucedida do poeta na década de 1960, para salvar a estação da demolição.

Infelizmente para a Helene, a estação só passou a hospedar o poeta ao ser reinaugurada, depois de muitos anos de reformas, em 2007, quando o primeiro trem de alta velocidade, o Euroestar - que leva pouco mais de duas horas para completar o trecho Londres/Paris, pouco menos de duas até Bruxelas e uma hora e trinta minutos até Lille e vice e versa! - deslizou pela estação e parou a poucos passos de uma outra escultura de um jovem casal abraçado.



Meeting Place - escultura por Paul Day - 2007 (imagem Wikimedia Commons)


Projetada pelo artista britânico Paul Day, a obra se chama Meeting Place – Ponto de Encontro - e foi concebida para evocar, do alto de seus três metros de altura, o romantismo das viagens ferroviárias. Só que, em vez, causou controvérsia quando da adição posterior, feita pelo artista, de um friso de bronze em baixo relevo ao redor do seu rodapé, descrevendo entre centenas de outras figuras, um passageiro caindo nos trilhos à frente de um trem que avança dirigido pelo “Grim Reaper”, o apelido da Velha Senhora naquelas paragens. Para mim , no entanto, o friso é o melhor da festa.

Essa estação ferroviária que foi inaugurada em 1876 para conectar Londres com algumas das principais cidades da Inglaterra é uma das maravilhas da engenharia e da arquitetura gótica vitorianas e sua história de decadência, restauração e renascimento é uma lição para todos nós porque é uma mentira cabeluda que se tenha que escolher entre o antigo e o novo. Grandes e velhos e belos edifícios como essa estação estão pedindo - pelamordedeus! - para serem aproveitados.

A Estação de São Pancras e o seu vizinho Midland Grand Hotel são hoje considerados verdadeiros monumentos, um revival do design vitoriano e uma homenagem aos seus criadores, o engenheiro William Henry Barlow e o arquiteto George Gilbert Scott. Toda a magnificência da São Pancras reflete o pensamento do seu tempo em relação ao design e a operação de uma estação ferroviária: a plataforma se apoia em oitocentas e cinquenta colunas de ferro fundido que juntamente com os arcos do telhado resultam em um espaço de trinta metros de altura, setenta de largura e duzentos de comprimento. O teto de ferro foi copiado em todo o mundo, inclusive na Grand Central Station de Nova York.



Fotografia: Maocir Pimentel


Quando foi inaugurada no século XIX São Pancras era uma das portas de entrada mais importantes de Londres. Mas os ataques aéreos nazistas atingiram duramente a estação e, após a guerra, ela passou a ter um futuro incerto à medida que o transporte rodoviário assumia o controle. Em 1948, vários projetos para amalgamar as estações do norte de Londres - Euston, São Pancras e King’s Cross - tornaram-se uma possibilidade real.

Em 1966, as propostas de demolição dessas estações foram colocadas sobre a mesa dos poderosos. No entanto, a voz do poeta laureado John Betjeman, um feroz defensor da arquitetura vitoriana, se levantou conclamando a nação a defender “esse conjunto de torres e pináculos vistos lá do monte Pentonville delineados contra um pôr-do-sol nebuloso e o grande arco do galpão do trem.”

Embora o poeta já estivesse resignado a perder a guerra ao descrever o edifício como “muito lindo e muito romântico para sobreviver”, eis que, de repente, apareceu a cavalaria na forma da Sociedade Vitoriana de Londres e, um ano depois, a estação foi elevada à categoria de patrimônio histórico, com a mesma classificação do Castelo de Windsor.

Preservada, para ela uma nova possibilidade de futuro surgiu quando o governo de plantão, em 1993, decidiu ampliá-la e modernizá-la para que passasse a receber os comboios de alta velocidade que cruzariam o Túnel do Canal da Mancha. São Pancras foi praticamente duplicada por seis novas plataformas para que pudesse dar conta dos trens internacionais, além dos domésticos e do metrô.




Fotografia: Moacir Pimentel


Hoje, sofrendo a concorrência das companhias aéreas de baixo custo, São Pancras não é apenas uma estação de trem, onde se começa ou termina uma viagem, mas um destino em si, uma atração turística. É engraçado como um lugar por onde passam mais de cinquenta milhões de criaturas a cada ano consiga manter a sua reputação de um dos pontos de encontro mais românticos do mundo, ideal para o pecado da gula. Pelo menos no restaurante que leva o nome do poeta.

Creio que os franceses que desembarcam dos trens Eurostars não têm do que reclamar quanto os menus, pois não encontrarão um Burger King ou McDonald's em nenhum lugar nesta catedral arquitetônica de aço e vidro. Muito ao contrário, tem bistrô, brasserie, champanheria, ostras, arenque defumado com molhos variados, cordeiro de Herefordshire, e, last but not least, cogumelos selvagens com torradas para os remediados terceiro mundistas que escolhem o que comer na coluna à direita (rsrs)

Lá se encontram uma filial da livraria Foyles - outro velho símbolo londrino persistente! - e um quiosque – não sei se temporário! - que nos pareceu um primo legítimo do emblemático Borough Market. Tudo isso no piso superior, diretamente sob o telhado e as colunas do Barlow, cada uma capaz de suportar cinquenta toneladas de peso, gloriosamente preservadas e para as quais, como o Sir John, a gente não se cansa de olhar.

Na verdade o piso inferior da estação foi concebido para armazenar toda a cerveja que se bebia na Londres vitoriana. Tanto que, nos seus escritos, o poeta afirma que o engenheiro Barlow dizia que tudo o que estava construindo na estação tinha sido planejado a partir das medidas de um barril de cerveja (rsrs)




Fotografia: Moacir Pimenel

No entanto, as palavras do poeta e dos ferozes defensores da estação ainda parecem apropriadas hoje e são compreendidas com mais intensidade do que nunca, pois São Pancras, mais uma vez, se tornou um emblema nacional vivo:

“A estação destila a essência do poder vitoriano pois é a mais magnífica construção comercial da época, refletindo mais completamente do que qualquer outra seus orgulho e poder econômico e sua tecnologia triunfante impregnados de romance “.

Mas, já que escrevia para crianças, a Helene conheceu outra estação ferroviária e mais um dos personagens preferidos do Reino Unido. Trata-se do Urso Paddington, o famoso personagem literário infantil, um imigrante de chapéu e sobretudo nos trinques vindo do Peru que, criado por Michael Bond em 1958, foi assim batizado porque na historinha ele é encontrado pela boa família Brown em um dos bancos da estação de Paddington com um bilhete pendurado no pescoço no qual se podia ler: “Por favor, tome conta deste ursinho. Obrigado!”

Como mostra o desempenho de venda do best-seller, nunca antes naquele país tantos cuidaram tanto de um “dimenor” abandonado (rsrs) O livro do Urso Paddington - que é viciado em sanduíches de marmelada! - vendeu muitos milhões de cópias, virou desenho animado e se transformou em um dos ícones da cultura inglesa, antes de ser eternizado sentado em cima da sua mala marrom, como uma estátua que hoje mora na estação que lhe deu o nome.

Quem mais virou bronze ou mármore literários? Lord George Gordon Byron no Hyde Park e Peter Pan nos Jardins Kensington e Shakespeare na praça Leicester e... calma, chegaremos lá em outras conversas.



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