quarta-feira, 8 de maio de 2024

LINGUAGEM: GLOSSÁRIO LUSITANO

 

(A Brasileira do Chiado, onde se pode tomar uma bica)


Tenho lido muitos livros com traduções feitas em Portugal. E também livros e romances de escritores portugueses. Claro que há alguns estranhamentos iniciais na sintaxe lusa, que é mais rigorosa, mais “dura”, em certos momentos, quando resistem, por exemplo, ao gerúndio, tão ao gosto brasileiro. Assim, encontramos sempre construções como “estou a fazer”, e não o nosso popular “estou fazendo”; também a colocação pronominal é mais “clássica”, com poucas próclises, como estamos acostumados, além de antecipações, como, por exemplo: “era como se me tivesse lido a mente”, o que seria raro encontrar em traduções ou em escritores brasileiros. Tudo isso, no entanto, não se constitui em ruído, na leitura de obras escritas ou traduzidas no português da velha terrinha, porque estamos diante de estruturas mais ou menos fixas da língua, o que faz que a tenhamos em comum, não só com Portugal, mas também com os demais países lusófonos. O que nos distingue é o léxico, ou seja, o uso de palavras e expressões que diferem bastante entre todos os falantes de língua portuguesa. Aliás, aqui mesmo no Brasil, basta nos deslocarmos para outros estados, para percebermos que muitas palavras são completamente diferentes das de nosso estado ou região para designarem as mesmas coisas ou as mesmas ideias. Até entre cidades da mesma região, há diferenças lexicais. Um exemplo clássico da diferença de significados entre Portugal e Brasil são as palavras “cu” e “puto”. Lá não existe a nossa palavra usual “bunda” (que tem origem africana). Então “cu”, na terrinha, é “bunda”. E quando querem designar o cu propriamente dito, dizem “o olho do cu”. Já a palavra “putos” significa “crianças, filhos pequenos”. Além disso, há, claro, as diferenças de sotaque, da forma como pronunciamos as mesmas palavras, tanto lá como cá. E isso constitui uma riqueza incomensurável da língua portuguesa. Um tesouro que devemos admirar, conservar e respeitar.

Dessas minhas leituras, resolvi compilar algumas palavras usuais em Portugal, que nós, brasileiros, estranhamos, às vezes a forma, às vezes o significado. É óbvio para todos que uma mesma palavra pode ter vários significados. No entanto, registrei apenas o sentido que o autor do livro que estava lendo (ou estava a ler) deu a entender, pelo texto ou pelo contexto. Divirta-se:



À lagareiro = ao alho e óleo

Abafo = capa de frio

Açafate = cesto de vime

Açorda = sopa de pão

Aeródromo = aeroporto

Aguarela = aquarela, tinta à base de água

Ajoujar = sobrecarregar

Alciónico = agradável

Alcofa = cesto de vime, berço

Aldrabice = trapalhada

Alguergue = jogo de pedrinhas

Alhada = embrulhada, confusão

Altifalante = alto-falante

Amêijoas = mariscos, moluscos

Amolgado = achatado

Análise = exame minucioso

Andar no engate = prostituir-se

Arrastadeira = comadre (penico de hospital)

Arrecadação = depósito

Artéria = avenida

Atreito – inclinado, propenso, habituado

Auscultador = telefone

Autocarro = ônibus

Autoclismo = descarga de água do vaso sanitário (da retrete, q.v.)

Azenho = moinho d’água

Babete = babadouro

Baloiço = balanço

Banda desenhada – história em quadrinhos, quadrinhos, gibi

Banheiro = salva-vidas

Barregã = concubina, amásia

Batota = trapaça no jogo

Beberete = refeição leve em que predominam licores e vinho

Bedum = bodum = mau cheiro, fedor

Bengaleiro = cabideiro

Berlindes = bolas de gude

Berma = acostamento, meio-fio

Betão = concreto

Bibe = babadouro, bata (infantil)

Biberão = mamadeira

Bica = café expresso

Bico do pé = ponta do pé

Bidão = tonel, barril

Bifanas = bife pequeno que se come com sanduíche

Boche = alemão

Bojarda = mentira

Bombazina = tecido de algodão que imita veludo canelado

Boquilha = cigarrilha

Borrego = cordeiro de menos de 1 ano

Borrifar-se = não se interessar por algo

Botifarra = bota grosseira e grande

Buçado = bala (doce)

Bucha = gordo

Buinho = vime

Cabedal = couro (carteira de cabedal)

Caçadeira = espingarda de caça

Cacifo = gaveta

Cadastrado = ex-detento

Caixa de cartão = caixa de papelão

Camarata = dormitório

Camião = caminhão

Caminho-de-ferro = ferrovia

Camisola = camiseta

Canadiana = muleta (tipo de muleta)

Canastro = o corpo humano

Candonga = contrabando, mercado negro

Cangalheiro = homem que trata de enterros

Capoeira = cesto ou compartimento onde se guardam e criam capões e outras aves

Carago = caramba

Carburante = combustível

Carcaça = papo-seco = pãozinho

Carrapito = coque (nó de cabelo no alto da cabeça)

Carril = trilho (de ferrovia)

Carrinha = furgão, caminhonete

Carruagem = vagão de passageiros

Casa de banho = banheiro, toalete

Cave / sochão = porão

Ceata = ceia abundante

Champô = xampu

Chapéu-de-chuva = guarda-chuva

Charro = cigarro de haxixe

Chávena = xícara

Chefe de mesa = maître, anfitrião de um restaurante

Cheirar a esturro = estar o caso malparado

Cheirete = fedor, mau cheiro

Cheta = vintém (sem cheta = sem dinheiro, “duro”)

Chibar = delatar

Chi-coração = abraço amistoso e muito apertado

Chorudo = gordo (alimento)

Chui = policial, “tira”

Chulipa = dormente de estrada de ferro

Cimeira = reunião de cúpula

Citadino = cidadão, morador de uma cidade

Colcorrear = caminhar, percorrer

Comboio = trem, vagão (de trem)

Compincha = cúmplice ou companheiro de súcia; amigo, companheiro

Compunção = arrependimento

Conduta = cano, tubulação

Confitado = que foi cozinhado em gordura, sem fritar, lentamente e em baixas temperaturas

Conservatória = tabelionato de registro civil

Contentor = lixeira

Contraplacado = compensado de madeira, madeira compensada, compensado

Controlo = controle

Conventículo = lupanar, bordel, casa de prostituição

Copo-de-água = festa de casamento

Coscuvilhar = mexericar

Coscuvilheiro = mexeriqueiro, bisbilhoteiro

Cota = conjunto de letras e números usado para classificar livros ou publicações

Cotão = bola de pelos

Couraçar – blindar, proteger

Courela = terreno

Cu = nádegas

Cuecas = calcinhas (femininas)

Damas de honor = damas de honra

Data = grande quantidade

De borla = de graça, gratuito

De moto próprio = por sua própria iniciativa

Debicar = comer pouco de cada vez

Debicar = comer pouco de cada vez, beliscar

Delapidar = dilapidar, gastar muito

Desavezar = desacostumar

Despistar = sair da pista, derrapar

Dislate = disparate

Duche = chuveiro, banho

Em pelota = nu em pelo

Embalar = iludir, enganar, mentir

Ementa = menu, cardápio

Empedrado = calçada

Enfardar = comer muito

Engatar = seduzir, foder

Ensonado = cheio de sono

Entaipar = cercar de taipas/madeira

Entretém = entretenimento

Enxofrado = amuado, ressentido

Equipa = equipe, grupo (de pessoas), time

Escadote = escada pequena

Escadote = pequena escada (móvel)

Escanção = copeiro, garçom

Escanzelado = magríssimo

Escaqueirar = quebrar (em cacos)

Escrava = pulseira grossa em forma de argola

Escudar = proteger, amparar

Esforricar = desfazer aos poucos

Esfregona = esfregão

Esfuracar = esburacar

Esmifrar / esforricar = desfazer aos poucos

Espargo = aspargo

Especado = paralisado

Espiolhar = investigar

Espreitadela = espiadela

Esquentamento – gonorreia, blenorragia

Estafadeira = trabalheira, cansaço

Estalada = bofetada

Estaladiço = crocante

Estar de esperanças = estar grávida

Estar de precária = em condicional

Estar fino = estar restabelecido de doença ou indisposição

Estar são como um pêro = gozar de boa saúde

Estar-se nas tintas = não se importar, não ligar

Esticar o pernil = morrer

Estiraçado = estirado

Estrugir = refogar

Estugar = apressar (o passo)

Esturro = algo seco quase queimado

Evo = eternidade, século

Fala-barato = mentiroso

Falhado = fracassado

Falhanço = fiasco, malogro

Farinheira = farofa com chouriço de porco

Fato = terno (vestimenta)

Fato-macaco = macacão

Fazer-se = paquerar, cortejar

Feitio = gênio, índole

Feto = samambaia

Fiambre = carne de porco preparada para se comer fria

Fiel de armazém = estoquista

Fita = cena

Fixe = simpático, legal (uma pessoa fixe = uma pessoa agradável, legal)

Flausina = sirigaita

Fontanário = chafariz

Forreta = sovina

Fufa= lésbica

Fumado = defumado

Furgoneta = furgão pequeno

Gabardina = sobretudo (vestimenta)

Gajo = tipo, cara, indivíduo

Gancho de cabelo = grampo (em MG, ramona)

Garrafeira = adega

Gila = variedade de abóbora

Gira-discos = toca-discos

Gralha = erro num texto

Guarda-lamas = para-lamas

Increpar = repreender severamente

Internado = preso

Intrujar = enganar

Ir aos arames = ficar muito irritado

Lamela = lâmina, embalagem de comprimidos

Laracha = piada

Lata = caradura, cara-de-pau

Linguareiro = linguarudo

Lixado = difícil

Maçã-de-adão = pomo de Adão

Malga = tigela (de sopa)

Marçano = aprendiz de caixeiro

Mecada – cacetada com moca

Medricas = pessoa tímida, medrosa

Mesmerizado = fascinado, hipnotizado

Messe = sala ou casa onde comem oficiais e sargentos

Metro (métro) = metrô

Mirone = curioso, espectador indiscreto

Mirone = curioso, indiscreto

Mistela – comida ou bebida mal feita ou desagradável

Miúdos = crianças, filhos

Moca = cacete, clava, porrete

Moca = pedra, pedrada

Montra = vitrine

Morada = endereço, localização

Morgado = pastel

Motorizada = bicicleta com motor

Musculado = musculoso

Não ver um boi = ser pouco inteligente ou não perceber nada de determinado assunto

Neutral = imparcial

Olho do cu = cu

Ombreira = entrada, porta

Omníscio = onisciente, oníscio

Ovos escalfados = ovos cozidos

Pai Natal = papai Noel

Pançada = estômago cheio

Paneleirice = frescura

Paneleiro = homossexual

Papo-seco = pãozinho

Paquete = moço de recados

Parangona = manchete (de jornal, revista...)

Pastilha elástica = chiclete

Patentear = evidenciar, mostrar

Peluche = pelúcia

Penso = curativo

Penso higiênico = absorvente vaginal

Pequeno-almoço = desjejum (primeira refeição da manhã)

Persuasão = crença, convicção

Pêssega = mulher bonita e apetitosa; amante

Petinga = sardinha, peixe pequeno

Peúga = meia curta; coturno

Peugada = rastro

Pevide = semente

Pileca = pangaré, cavalo magro e fraco

Pingue = gordura

Pinguinhos = gotas

Piorio = sujeira (moral)

Pipocar = copular

Pireza = ato de safar-se, fuga

Piripiri = pimenta malagueta

Pisgar-se = safar-se, pôr-se na pireza (sair ocultamente e à pressa de algum lugar, fugir)

Pivete = pequeno rolo ou pastilha de substâncias aromáticas que se queima para perfumar o ambiente; mau cheiro

Planear = planejar

Plexigla = acrílico

Pobretana = pobretão

Polme = milanesa

Pontapear = dar pontapés

Porreiro = agradável

Poucochinho = pouquinho

Publicano = negociante (pejorativo)

Quartilho = meio litro (medida)

Quezília = inimizade

Rabo/Cu = nádegas

Râguebi = rugby (jogo)

Raia = fronteira

Rasca = reles, ordinário

Rasoira de Occam = navalha de Occam

Rata = boceta

Remoque = indireta (insinuação)

Retrete = vaso sanitário

Ripostar = responder, contra-atacar

Rufia = rufião, alcoviteiro

Sabrina = sapato raso

Sachar = cavar com o sancho

Saco-cama = saco de dormir

Saloio = rústico

Sancho = enxada

Sandes = sanduíche

Sanita = vaso sanitário, privada

Sarilho = briga, confusão; intriga, mexerico

Saturnal = orgia

Seixo = pedra

Sequela = sequência (de uma obra)

Serapilheira = tecido grosseiro

Sítio = lugar, local

Soalheira = calor, ardor do sol; calmaria

Soalheiro = dourado

Sobrado = assoalho, piso, chão

Sochão = porão

Sostra = mulher desmazelada

Supedâneo = escabelo, banqueta (para pôr os pés)

Surripiar = furtar

Tabuleiro = bandeja

Talhante = açougueiro

Talho = açougue

Tanas = indivíduo qualquer sem serventia, vagabundo

Tareia = sova, tunda

Tasca = boteco, botequim

Tensão = pressão arterial

Tetina = chupeta (para biberão/mamadeira)

Tijoleira = ladrilho

Tipa = mulher de costumes fáceis

Tipo = pessoa, indivíduo

Tosta = torrada

Toucinho-do-céu = doce de amêndoas

Traseira = parte de trás (de uma edificação, por ex.)

Travão = freio

Treta = mentira

Trolha = pedreiro, servente de pedreiro

Trunfa= cabelo abundante e desgrenhado

Tugue = homem sanguinário

Tuta-e-meia = quase nada, bagatela

Varado – atônito

Ventoinha = ventilador

Vilegiatura =temporada

Visionar = fantasiar

Xaile = xale

Zaragata = briga, desordem, confusão

Zaragata = desordem, tumulto



Uma frase divertida, inventada por mim:

Tomei um duche, escolhi a dedo o fato, para ir, de moto próprio, de metro, ao copo-de-água de meu amigo. Comprei-lhe um belo gira-discos que vira numa montra. Antes de sair, comi uma sande com uma bica, já que não sabia se lá haveria ceata. Tive dificuldade de achar o sítio, e cheguei atrasado, pois a morada que ele me dera me deu uma estafadeira para encontrar. Já lá estavam muitos tipos e tipas e seus miúdos, a balançar o cu no maior sarilho.


(Nota: página atualizada em 9 de junho de 2024).


Isaias Edson Sidney









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