sexta-feira, 22 de novembro de 2024

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTE TEXTO DE YUVAL NOAH HARARI

 


       “...humanos não morrem porque uma figura envolta em um manto negro bate em seu ombro, ou porque Deus assim decretou, ou porque a mortalidade é essencial de algum grande plano cósmico. Humanos morrem devido a alguma falha técnica. O coração para de bombear sangue. A artéria principal entope com depósitos de gordura. Células cancerosas espalham-se no fígado. Germes multiplicam-se nos pulmões. E de quem é a responsabilidade por todas essas falhas técnicas? Outros problemas técnicos. O coração para de bombear o sangue porque não lhe chega bastante oxigênio ao músculo cardíaco. Células cancerosas se espalham porque uma mutação genética acidental reescreve suas instruções. Germes se instalam nos pulmões porque alguém espirrou no metrô. Nada metafísico. Somente problemas técnicos.” 

– Yuval Noah Harari, in Homo Deus.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

MÚSICA: AQUARELA DO BRASIL, DE ARY BARROSO



AQUARELA DO BRASIL

Ary Barroso




Brasil, meu Brasil brasileiro

Meu mulato inzoneiro

Vou cantar-te nos meus versos



O Brasil, samba que dá

Bamboleio, que faz gingar

O Brasil do meu amor

Terra de Nosso Senhor

Brasil! Brasil! Pra mim! Pra mim!



Ô, abre a cortina do passado

Tira a mãe preta do cerrado

Bota o rei congo no congado

Brasil! Brasil!



Deixa cantar de novo o trovador

À merencória luz da Lua

Toda canção do meu amor

Quero ver essa Dona caminhando

Pelos salões, arrastando

O seu vestido rendado

Brasil! Brasil! Pra mim! Pra mim!



Brasil, terra boa e gostosa

Da morena sestrosa

De olhar indiscreto



O Brasil, verde que dá

Para o mundo se admirar

O Brasil do meu amor

Terra de Nosso Senhor

Brasil! Brasil! Pra mim! Pra mim!



Ô! Esse coqueiro que dá coco

Onde eu amarro a minha rede

Nas noites claras de luar

Brasil! Brasil!



Ô! Estas fontes murmurantes

Onde eu mato a minha sede

E onde a Lua vem brincar



Ô! Esse Brasil lindo e trigueiro

É o meu Brasil brasileiro

Terra de samba e pandeiro

Brasil! Brasil! Pra mim! Pra mim!

SOBRE A AQUARELA DO BRASIL


O samba-exaltação de Ary Barroso, entoado por mil vozes, vira um hino, bacana, animado e sofisticado. Difícil é traduzir as expressões da letra – nem mesmo os brasileiros conhecem o sentido de várias delas.

Lembro que na Copa da França, em 1998, a torcida brasileira, sem modinhas “customizadas”, resolveu recorrer à antiga Aquarela do Brasil, do mineiro-carioca Ary Barroso (1903-1964). E não é que ficou bonito! Esse samba-exaltação, entoado por mil vozes, vira um hino, bacana, animado e sofisticado.

Difícil era traduzir as expressões da letra. Vale dizer que nem mesmo os brasileiros conheciam o sentido de várias delas.

– Che cosa è “inzoneiro”? – perguntava intrigado um italiano, que pelo conhecimento do latim julgava decodificar qualquer expressão do Português do Brasil.

Alguém lhe disse que seria um “bugiardo”, ou seja, um mentiroso. Discordei imediatamente. Disse-lhe que podia ser algo como “furbo”, ou seja, manhoso com astúcia.

Um inglês dançou nessa. Pensei e acreditei que a palavra seria “sly”. Mesmo sem muita certeza, sentenciei: “sly, very sly”.

Noutro dia, a discussão foi com brasileiros e um argentino. O problema era com os versos:

“Ah! Abre a cortina do passado
Tira a mãe preta do cerrado”.

O hermano acreditava que houvesse relação com a savana brasileira que viu em volta de Brasília, arbustos, arvorezinhas, mato baixo. A ideia, portanto, era retirar dali uma mãe negra, possivelmente abandonada pelo filho.

Bom, de novo, discordei, não sem mergulhar na dúvida, mas relembrando os estudos culturais sobre o Estado Novo, na época da PUC-SP. Na verdade, abrir a cortina do passado se refere a escancarar o passado escravista do Brasil e a participação das mulheres negras africanas ou descendentes na constituição das famílias brasileiras.

A mãe preta é, na verdade, a ama de leite, que deu proteína e vida a tantos filhos de fazendeiros e donos de engenho. O cerrado em questão não tem relação com qualquer tipo de vegetação, mas com o lugar onde os escravos acabavam confinados depois dos dias exaustivos de trabalho. Tirar a mãe preta de lá equivale a derrubar os muros da senzala estendida.

Por isso, Barroso canta, logo depois:

“Quero ver essa dona caminhando
Pelos salões arrastando
O seu vestido rendado”

O salão é aquele da casa grande, dos senhores de posses hereditárias, os clubes das antigas elites rurais opressoras do povo negro. Assim como o compositor quer ver protagonismo daqueles subjugados pela força bruta, pretende ver o rei congo no congado.

Alguém encafifou-se com o Brasil “trigueiro”, ou seja, tem a cor do trigo maduro. “Ripe wheat”, arrisquei para outro inglês, este de Liverpool. Até hoje não sei se é “inglês macarrônico”. Se for, me avisem!

E antes tinha, lógico a morena (logicamente da cor dos mouros) que ganhou o adjetivo de “sestrosa”. Aí, de novo veio polêmica. Sestroso pode ser sinônimo de malandro; no passado, dado à capoeiragem.

Bom, sestro tem a ver com “esquerdo”, o que sempre me fascinou. Na canção, decidi que o significado era aparentado de inzoneiro. A morena tinha lá suas malícias, suas astúcias, tão necessárias numa sociedade machista e desigual.

Restou “merencória”. Isso outras gentes sabiam. Essa luz da Lua é melancólica, triste, e é citada depois do verso “Deixa cantar de novo o trovador”, um protesto contra a censura estatal. Até a própria letra de aquarela foi canetada pelo nefando Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).

Achavam que “terra de samba e pandeiro” não pegava bem para a reputação do país. Com suas acrobacias retóricas, Barroso acabou convencendo os censores imbecis e evitou a mutilação da letra. A história é esta. Em um tempo de ódio ao congado, de censura aos trovadores e de perseguição policial às mães e pais pretos, vale recordar as cores da nossa aquarela.




LEIA TAMBÉM

Sérgio Augusto: Aquarela do Brasil chega aos 80 como um Hino Nacional


Fonte:

https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/walter-falceta-de-novo-sobre-aquarela-do-brasil/


Publicado 30/12/2019 

Autor

Walter Falceta

Jornalista, trabalhou em veículos como m veículos como a Veja e O Estado de S. Paulo. Integra o Coletivo Democracia Corinthiana (CDC) e o Núcleo de Estudos do Corinthians (Neco)

Letra de Aquarela do Brasil:

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTE TEXTO DE MIA COUTO




 “Aos 10 anos todos nos dizem que somos espertos, mas que nos faltam ideias próprias. Aos 20 anos dizem que somos muito espertos, mas que não venham com ideias. Aos 30 anos pensamos que ninguém mais tem ideias. Aos 40 achamos que as ideias dos outros são todas nossas. Aos 50 pensamos com suficiente sabedoria para já não ter ideias. Aos 60 ainda temos ideias mas esquecemos do que estávamos a pensar. Aos 70 só pensar nos faz dormir. Aos 80 só pensamos quando dormimos.” 

Mia Couto, in Venenos de Deus, Remédios do Diabo

terça-feira, 12 de novembro de 2024

RELIGIÃO: O GRAFITE DE ALEXÁMENOS

 CONHEÇA O GRAFITE DE ALEXÁMENOS, QUE MOSTRA JESUS COM CABEÇA DE BURRO




O grafite romano faz uma representação debochada de Jesus Cristo. 
(Fonte: IFLScience / Reprodução)

Ao longo de muitos séculos, Jesus Cristo recebeu inúmeras representações, bastante diferentes entre si. E uma das mais antigas e curiosas o exibe de forma quase profana: com a cabeça de um burro.

Trata-se de um pedaço de grafite romano, chamado por historiadores de Grafite de Alexámenos, que data de algum momento entre os séculos 1 e 3. O registro foi datado como uma das primeiras representações pictóricas que se tem de Jesus Cristo sendo crucificado.

O que se sabe sobre o Grafite de Alexámenos

Por remeter a um período histórico transcorrido antes que o cristianismo se tornasse a religião oficial do Impédrio Romano, acredita-se que o desenho tenha um teor desrespeitoso. Nessa época, a nova religião era crescente, mas não exatamente popular.

A imagem mostra uma figura sendo crucificada, com corpo humano e cabeça de burro. No canto superior direito da imagem, há uma imagem que já foi decodificada como uma cruz ou como a letra grega upsilon. No meio, um homem levanta a mão fazendo um gesto (acredita-se que ele possa representar o próprio Alexamenos).

Abaixo dele, há uma inscrição em grego: “ΑΛΕ ΞΑΜΕΝΟϹ ϹΕΒΕΤΕ ΘΕΟΝ”. Em grego antigo, a palavra ϲεβετε designa o verbo "adorar" na forma imperativa. Isto sugere que a tradução da frase seria algo como "Alexámenos, adore Deus". Entretanto, há pesquisadores que apontam outra leitura, como "Alexámenos adora seu Deus" ou "Alexámenos adorando Deus".

As diferentes interpretações

A versão original do Grafite de Alexamenos encontrado em Roma. 
(Fonte: X / Reprodução)

Esse grafite foi encontrado em 1857 no Monte Palatino, que é uma das partes mais antigas de Roma. Ele estava na parede de um edifício anexo ao palácio imperial, onde as pessoas escravizadas eram treinadas para executar tarefas.

O Grafite de Alexámenos já abriu margens a várias leituras, como uma que diz que ele teria sido feito com a intenção de zombar de um cristão chamado Alexamenos por sua crença em uma religião nova e desconhecida.

Outra hipótese é que ele seja obra de um escravizado que estaria descontente com o império e resolveu zombar alguém, ou então por um cidadão romano que simplesmente estava entediado. Vale aqui lembrar que os antigos romanos tinham o hábito de fazer grafites.

A imagem do burro também é significativa. Historiadores dizem que, nessa época do Império Romano, os primeiros cristãos eram frequentemente ridicularizados por "adorar jumentos". Esse preconceito pode ter começado por conta de uma certa confusão entre os fiéis da Bíblia hebraica e a adoração do antigo deus egípicio Set, que costuma ser representado como um homem com cabeça de burro.


Fonte:

sábado, 9 de novembro de 2024

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTA FRASE DE NOAM CHOMSKI

 


      “Os Estados Unidos apoiam a democracia se, e somente se, os resultados estiverem em consonância com seus objetivos estratégicos e econômicos.”

 Noam Chomski, in Quem manda no mundo? 

(Who rules the word?) – trad. de Renato Marques.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

CIÊNCIA: A GAIOLA DE FARADAY

 GAIOLA DE FARADAY

Gaiola de Faraday é o nome do experimento desenvolvido por Michael Faraday em 1836, mas também do dispositivo utilizado para blindar circuitos elétricos de interferências.


A malha condutora que envolve a pessoa protege-a, 
funcionando como uma gaiola de Faraday.

Gaiola de Faraday é o nome dado a um invólucro que é feito de material condutor e usado para blindar o seu interior de interferências eletromagnéticas externas. Ela surgiu como um experimento científico, desenvolvido pelo físico inglês Michael Faraday no ano de 1836, e ainda hoje é utilizada para proteger circuitos elétricos sensíveis à incidência de ondas eletromagnéticas de diversas frequências.

Como funciona a gaiola de Faraday

A gaiola de Faraday nada mais é do que uma aplicação tecnológica de um fenômeno conhecido como blindagem eletrostática. Esse fenômeno acontece apenas em materiais condutores (metais), como ferro, prata e cobre, que são caracterizados por apresentar um grande número de elétrons livres, capazes de se mover livremente ao longo do condutor.

Em razão da alta mobilidade que dispõem, as cargas elétricas dos materiais condutores preferem espalhar-se ao longo da superfície dos metais. Imagine o caso em que um grande número de elétrons é colocado no centro de um condutor: a repulsão entre eles faria com que eles rapidamente se afastassem ao máximo do centro. Depois de distribuídas, as cargas fazem com que toda a superfície do condutor fique com o mesmo valor de tensão elétrica, dando origem a uma superfície equipotencial.

Uma vez que, nos condutores, todas as cargas encontram-se distribuídas em sua superfície, o campo elétrico em seu interior torna-se nulo e, como consequência, não há diferença de potencial elétrico no interior desses materiais. Tal comportamento assegura que qualquer corpo deixado no interior de um condutor fechado se verá livre da influência de campos elétricos externos, por mais intensos que sejam.

Quando um campo elétrico externo é direcionado a uma gaiola de Faraday, os elétrons da gaiola se rearranjam de modo que o campo elétrico do interior da gaiola continue nulo. Dessa maneira, com esses dispositivos, é possível evitar a ocorrência de uma descarga elétrica ou, ainda, a incidência de uma onda eletromagnética.

O mesmo acontece com a incidência de ondas eletromagnéticas. Nesse caso, os espaçamentos entre os “buracos” da gaiola devem ter dimensões próximas ao comprimento da onda eletromagnética que se deseja barrar.

Aplicações da gaiola de Faraday

Existe um grande número de aplicações tecnológicas que fazem uso do princípio utilizado na gaiola de Faraday. Esses dispositivos costumam ser sensíveis a campos elétricos e campos magnéticos e, por isso, são revestidos com placas ou malhas metálicas.

Confira alguns exemplos de dispositivos que fazem uso de uma gaiola de Faraday para poder funcionar corretamente:

discos rígidos (HD);
fontes de tensão;
para-raios de Faraday;
roupas de proteção;
forno micro-ondas.

Assim como a gaiola de Faraday pode ser utilizada para barrar a entrada de interferências, ela também pode ser utilizada para bloquear a saída de ondas eletromagnéticas, como no caso do forno micro-ondas. Além disso, veículos como carros e aeronaves também funcionam como gaiolas de Faraday, protegendo os passageiros em seu interior de descargas elétricas vindas do exterior.

Fonte:

Autoria: Por Rafael Helerbrock
Professor de Física

domingo, 3 de novembro de 2024

CITAÇÕES: USE COMO EPÍGRAFE ESTE TEXTO DE YUVAL NOAH HARARI


      “A cultura tende a argumentar que proíbe apenas o que não é natural. Mas, de uma perspectiva biológica, não existe nada que não seja natural. Tudo o que é possível é, por definição, também natural. Um comportamento verdadeiramente não natural, que vá contra as leis da natureza, simplesmente não teria como existir e, portanto, não necessitaria de proibição. Nenhuma cultura jamais se deu ao trabalho de proibir que os homens realizassem fotossíntese, que as mulheres corressem mais rápido do que a velocidade da luz, ou que elétrons com carga negativa atraíssem uns aos outros.” 

 Yuval Noah Harari – Sapiens uma breve história da humanidade